quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Exposed Jurídico – A Prisão Preventiva de Fábio e Rafael - por Advogados Ativistas

     Todos os processos em trâmite no Poder Judiciário são públicos, salvo aqueles que correm em segredo de justiça. No entanto, poucas são as pessoas fora do mundo jurídico que sabem disso ou mesmo conseguem acessar tais processos, transformando a regra da publicidade em algo relativizado diante da distância de procedimento e burocracia que é interposta entre a sociedade e o Poder Judiciário.

     Por este motivo, a partir de hoje, vamos divulgar as decisões judiciais e o nome daqueles que a proferiram para expor as contradições e, quem sabe, seus acertos visando a melhora da qualidade técnica, uma vez que juízes, promotores, desembargadores, ministros, etc. estarão sob o crivo de um número maior de pessoas.

     Para começar este nosso novo banco de dados, vamos divulgar a íntegra da decisão do juiz da 10ª Vara Criminal Central, Marcelo Matias Pereira, que é o responsável pela ação contra os manifestantes Rafael Marques Lusvargh e Fabio Hideki Harano, o qual indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva de ambos.

     Como bem ressaltado na decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva estão presentes os requisitos para a sua decretação.”

     Como vemos, o Juiz Marcelo Matias Pereira afirma estarem presentes os requisitos para a decretação de prisão preventiva (art. 311 e seguintes do Código Penal). A rigor, o Juiz entendeu que existem provas suficientes de que Rafael e Fábio cometeram um crime.

     É certo que o direito de manifestação pacífica faz parte da Democracia, sendo que o que não se pode admitir são atos atentatórios contra o patrimônio público e particular, violação das leis constituídas, atos de vandalismo, depredação e violência contra tudo e todos.”

     No segundo parágrafo fala sobre não se admitir a manifestação violenta, mas o faz com base apenas em seu juízo de valores, já que não há provas de que Rafael e Fábio tenham depredado nenhum tipo de patrimônio e muito menos violado leis ou a constituição.

     Como bem observado na decisão que decretou a prisão preventiva, as manifestações pacificas foram perdendo sua legitimidade na medida em que passaram a nelas se infiltrar os denominados “Black Blocs”, que passaram a promover todo tipo de arruaça, depredação, destruição e horror, vergonha nacional e mundial.

     Nesta esteira de pensamento é lícito concluir que os integrantes desse grupo, que se dizem anarquistas e que agem contra tudo e todos, atentam contra a própria Democracia, na medida em que desmoralizam as legítimas manifestações públicas, que acabaram ficando desacreditadas pelos atos de vandalismo praticados.”

     Nos dois parágrafos seguintes o Magistrado esquiva-se dos argumentos jurídicos, próprios de uma decisão do judiciário, e da vazão, mais uma vez, ao seu juízo de valores, demonstrando que seu raciocínio pauta-se em fundamentos ideológicos, e não legais.

     Afirma que as manifestações perderam legitimidade por causa dos Black Blocs, que nelas se infiltram, promovendo o horror, constituindo vergonha mundial (?), além de, por serem anarquistas, agirem contra tudo e todos, frisando que as manifestações ficaram desacreditadas por causa deles.

     Todas essas afirmações só poderiam ser feitas caso o Juiz tivesse comparecido pessoalmente às manifestações (o que com certeza absoluta nunca aconteceu), vendo com seus próprios olhos se os manifestantes apoiam ou não quem faz uso da tática Black Bloc.

     Este grupo atenta contra os Poderes Constituídos, desrespeitando as leis, os policiais que tem a função de preservar a ordem, a segurança e o direito de manifestação pacifica, além de, descaradamente, atacarem o patrimônio particular de pessoas que tanto trabalharam para conquista-lo, sob o argumento de que são contra o capitalismo, mas usam tênis da Nike, telefone celular, conforme se verifica das imagens, postam fotos no Facebook e até utilizam de uma denominação grafada em língua Inglesa, bem ao gosto da denominada “esquerda caviar”.

     É querer muito se enganar ou enganar aos outros dizer que a polícia esta lá para garantir a manifestação. Em sua nem tão apurada leitura de manifestações, esqueceu-se de citar que em junho de 2013 elas atingiram tamanha proporção muito por conta da violência, veja só, da polícia.

     Esqueceu-se de mencionar também, ou quem sabe, propositalmente não mencionou, o recente relatório da Defensoria Pública de São Paulo, concluindo que a Polícia Militar “coibiu” o direito à manifestação, agindo ostensivamente, intimidando e constragendo manifestantes, imprensa e toda a sorte de cidadãos ali presentes. Até o momento foi comprovado, ironicamente, que a verdadeira ameaça às “leis constitucionais” partiu justamente dos agentes do Estado.

     O encadeamento mental do magistrado para justificar sua decisão é incrível. Ele ataca ideologicamente a questão de um anarquista usar tênis Nike e ter celular, como se a questão central do processo fosse essa. A decisão deveria versar sobre a prisão de Fábio e Rafael e os indícios de autoria e materialidade do crime de que estão sendo acusados. O juiz esta falando de tudo, menos do que deveria.

     Do mesmo modo, a questão do trabalhador é bastante dúbia, pois o Black Bloc se destaca e inclusive é atacado pela imprensa como um grupo que ataca símbolos do capital, não comércios pequenos. Nunca vimos nenhum dono de banco ser chamado de trabalhador, ainda mais daqueles que suam.

     Sobre a “esquerda caviar”, afinal, eles são anarquistas puros que confrontam a tudo e todos ou são de ideologia de esquerda? Talvez o Juiz não esteja sabendo se situar muito bem sobre política ou talvez nem saiba do que esta falando, o que parece ser o mais plausível.

     Anarquia não se baseia na lógica de confrontar tudo e todos, trata-se basicamente de um sistema político que nega o princípio da autoridade. Prova disso encontra-se justamente no texto introdutório do inquérito Black Bloc do DEIC, que alega que as investigações são direcionadas a “grupos organizados que visam questionar o sistema”. Note, o tempo todo, do início das investigações até a sentença do juiz, tudo girou em torno de questões ideológicas e juizo de valores.

     As imagens indicam que os acusados possuíam liderança e comando sob a massa de alineados, sendo que há depoimentos consistentes que apontam que em poder dos mesmos foram apreendidos artefatos explosivos/incendiários, de modo que presentes estão os indícios suficientes de autoria.

     Outrossim, se libertos foram poderão certamente promover e participar de outros eventos como os tais, provocando todo o tipo de destruição e quiçá consequências mais grave como mortes.

     Desta forma, a garantia da ordem pública, tão aviltada e maltratada por condutas como as descritas na denúncia reclama a manutenção da custódia cautelar, razão pela qual INDEFIRO o pedido de revogação da prisão preventiva.

     Em seguida é dito que os acusados, pelas imagens, demonstram ter liderança sobre o uma “massa de alienados”. Vamos fazer um exercício mental e trocar a palavra “alienados” por alguns sinônimos: massa de malucos, massa de pessoas distantes da realidade política. Que tipo de argumento jurídico é esse? Pela enésima vez temos mais um juizo de valores absolutamente alheio à discussão jurídica.

     É importante ressaltar que ao serem presos, tanto Fábio quanto Rafael, receberam apoio de manifestantes e de pessoas que não participavam da manifestação, que notaram o caráter violento e arbitrário das detenções. Esse apoio que receberam é o que justifica a classificação deles como “líderes”.

     O juiz afirma ainda que há depoimentos consistentes sobre o porte de explosivos, que se forem soltos poderão até matar alguém e que, desta forma, a ordem pública esta melhor atendida com eles presos.

     O porte de explosivo era baseado em depoimentos consistentes da mesma polícia que o Magistrado elogia. A perícia foi feita e concluíram que não havia material explosivo. De fato, bastante consistentes os tais depoimentos.

     Não cabe ao juiz decidir quanto à legitimidade de uma manifestação – por estarem amparadas em lei, as reivindicações, a expressão do pensamento e o pronunciamento público são sempre legítimos.

     A maioria da sua fundamentação é baseada em sentimentos (horror, vergonha). Como pode um juiz basear sua decisão em sentimentos oriundos de um evento que ele sequer presenciou? Mas, o mais importante, onde ele quer chegar? A vergonha mundial justifica a prisão de Fábio e Rafael?

     O mundo sente vergonha da fome, o mundo sente vergonha do trabalho escravo, da guerra, do racismo. O mundo não sente vergonha de Fábio e Rafael. Pelo contrário, são ativistas como eles que expõem do que o mundo realmente sente vergonha, inclusive de decisões judiciais como essa.

PS: Nunca é tarde para frisar que o juiz Marcelo Matias Pereira é o mesmo que inocentou o “comediante” Danilo Gentili do crime de racismo.

Comentário
É impressionante que se insiram opiniões pessoais (como a de alcunhar um grupo que ele desconhece de "massa de alienados") em uma decisão judicial.
Este é o tipo de injustiça absurda que acontece quando se tem um juiz coxinha.
E pode-se afirmar isto tranquilamente, tanto porque é verdade, quanto porque não estou emitindo uma decisão judicial, mas apenas uma opinião como cidadão.

Nenhum comentário: