domingo, 8 de junho de 2014

Caçando blogueiros - por Paulo Moreira Leite (Istoé)

     Quem impede o debate sobre a democratização dos meios de comunicação força o jogo na sombra de verbas públicas

     Vamos falar da substância das coisas. A caçada a blogueiros simpáticos às conquistas criadas no país depois da posse de Lula, em 2003, iniciada com a investigação sobre um suposto “bunker” do PT na prefeitura de Guarulhos, deve ser visto como aquilo que é.

     Uma tentativa autoritária de silenciar vozes que divergem do monopólio político da mídia.

     Sei que essa frase parece panfleto esquerdista, mas não é.

     Num país onde 141 milhões de eleitores foram transformados em reserva de mercado de uma mídia monopolizada pelo pensamento conservador, a internet tornou-se um espaço de resistência de uma sociedade contraditória e diversificada. Todo mundo – direita, esquerda, centro, nada, tudo, xixi, cocô – está ali.  

     Vamos combinar. Hipocrisia demais não funciona. Truculência também não. 

     Até para ter um pouco de credibilidade, sem traços claros de ação eleitoral, a denúncia contra blogueiros deveria ser acompanhada pela exposição pública da contabilidade dos grupos de mídia que loteiam cada minuto de sua programação e cada centímetro quadrado de suas páginas com milionárias verbas de publicidade federal, estatual, municipal – sem falar em empresas estatais.

     Estamos falando de serviços de mendicância publicitária, de caráter milionário.

     Seguido o método empregado em Guarulhos, seria didático exibir cada cifrão ao lado de cada pacotão de texto e fotos, concorda? Teríamos bom circo por meses e meses. 

     Tentar criminalizar blogueiros pela denúncia de gastos públicos – uns caraminguás, pelos padrões de mercado – é um esforço que apenas trai uma visão contrária à liberdade de imprensa, típica de quem não aceita diversidade nem contraponto, mas apenas elogios e submissão. É o pensamento único em método linha dura e capa de falso moralismo. Apesar do escândalo, é uma denuncia verbal-investigativa. Nada se provou de ilegal. 

     Nós sabemos qual é a questão de fundo.

     Enquanto não se aceitar o debate sobre democratização dos meios de comunicação, que poderia permitir uma discussão pública, às claras, expondo imensos interesses econômico e políticos em conflito, como se fez em vários países avançados do capitalismo, o jogo nas sombras será inevitável. Isso porque as pessoas precisam receber informações, falar, conversar, dar opiniões. Elas concordam, discordam, rejeitam e querem mais.

     Não adianta adiar a chegada de um novo grau de democracia e civilização. Ela transborda. Na agonia do regime de 1964, quando a imprensa amiga dos generais chegava a proteger a ditadura por todos os meios – inclusive derrotas eleitorais eram transformadas em vitória – os governadores de oposição financiavam novas publicações, sem ranço e sem comprometimento. Enquanto isso, até jornais alternativos, de faturamento menor do que a quitanda da esquina eram alvo de uma devassa permanente por parte da ditadura. Empresários privados eram pressionados a saber quem ajudar – e a quem negar ajuda. 

     Aparelhismo? 

     Os últimos anos mostraram – e os blogueiros expressam isso – que o país não cabe nos limites mentais, políticos, culturais, do ideário conservador. Quer mais, quer diferente e por três vezes disse isso nas urnas. A internet e os blogueiros expressam isso. Têm este direito. 

     Alguma dúvida? 

     Este é o debate.

Comentário
Por coerência, qualquer veículo de comunicação que critica a publicidade oficial em blogs, deveria declarar-se impedido de receber verba pública de qualquer ordem.

Nenhum comentário: