sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Sobre o xadrez da política - Notas 2 - por Luis Nassif

Vamos a uma atualização do nosso cenário político.

11 de dezembro: Para entender o xadrez da política 

20 de dezembro: Para entender o xadrez da política – 2

22 de dezembro: Sobre o xadrez da política – Notas 1

Leiam também: Um estudo clássico sobre 1964, sobre um trabalho histórico de Wanderley Guilherme dos Santos, de 1962, que provavelmente está por trás da estratégia política legalista da Presidente da República. Clique aqui para acessar a íntegra do trabalho.

Vamos a segunda Nota de atualização do xadrez da política, à luz dos últimos episódios analisando o papel de dois personagens centrais (Procuradoria Geral da República e STF) e um periférico (OAB nacional), na tentativa de exacerbação do quadro político a partir do julgamento do “mensalão”.

Judiciário e MP são poderes estáveis, com quadros de carreira. O STF comporta indicações de fora da magistratura mas, de qualquer forma, de operadores do direito.

Estruturas burocráticas obedecem a normas hierárquicas claras. Embora tenham prerrogativas, as chefias – ou quem fala em nome da instituição – necessitam exibir qualidade intrínsecas essenciais para não perder legitimidade:

Condição 1: Em todos os momentos têm que ficar claro que seus gestos e atitudes representam o pensamento majoritário do poder representado. Eles têm mandato para representar a instituição, não para se sobrepor imperialmente a ela.

Condição 2: Não pode haver decisão discricionária nem concentração de poder na chefia. Justamente por isso, o que garante a seriedade e a estabilidade das organizações é o poder colegiado. Embora não eleitos (apenas o Procurador Geral da República é votado em lista tríplice) devem satisfações às suas respectivas organizações.

Condição 3: Que não se curvem a nenhuma espécie de interferência política: nem do Executivo nem da oposição.

Condição 4: Sejam guardiãs da estabilidade política e institucional, respeitando os demais poderes e, principalmente, não contribuindo para a exacerbação do quadro político. Não se trata de ser leniente com crimes políticos, mas de não entrar no debate público como se fosse uma instância partidária.

Condição 5 – Quando se têm um Executivo legalista, é necessário que haja um clima de caos e de descontrole econômico para legitimar intervenções políticas.

A partir dessas definições prévias, vamos a uma atualização dos cenários anteriores, analisando os desdobramentos das catarses do final do ano passado.

Cenário jurídico

O julgamento do “mensalão”, o enorme alarido produzido pela mídia, promoveu uma coalizão entre três personagens importantes do Judiciário: o STF (Supremo Tribunal Federal), através do grupo dos cinco (Barbosa, Gilmar, Celso Mello, Marco Aurélio, Luiz Fux, mais o aposentado Ayres Britto), o Procurador Geral da República e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) nacional.

Não se limitaram ao julgamento e à condenação dos acusados. Tivessem se limitado a isso, o STF sairia engrandecido.
Joaquim Barbosa afrontou diretamente a Presidente, incluindo no seu voto frases dela fora do contexto; Celso de Mello comparou um partido político ao PCC; Gilmar Mendes provocou uma crise política calculada, no episódio do encontro com Lula; Marco Aurélio enalteceu o golpe contra a própria Constituição em 1964; Fux completou com o discurso na posse de Barbosa (combinada com ele) reivindicando para o Judiciário o papel de poder entre os poderes; e Celso de Mello considerou coligações partidárias como instrumento de ditadura.

Valeram-se da visibilidade obtida, do pacto com a mídia, da falta de figuras de expressão no Parlamento e nos partidos políticos, para tentar açambarcar poder político.
Assista o trecho do discurso em que Luiz Fux, em nome de Joaquim Barbosa, reivindica para o Supremo o papel de instituição sobre as demais instituições:


De lá para cá ocorreram os seguintes episódios:

Supremo Tribunal Federal

O papel de guardiões da moralidade enfrentando o oceano da corrupção, ou de um poder constitucional se sobrepondo aos demais, exige atitude pública impecável da parte dos novos campeões.

No entanto, a superexposição das novas celebridades revelou aspectos demasiadamente humanos para quem se pretendia semideus.

Luiz Fux –sua confissão sobre os métodos utilizados para conquistar a indicação para o STF constituiu-se em um dos episódios mais vexaminosos da história do judiciário brasileiro. Mostrou que não são apenas as eleições que produzem conchavos e personagens pequenos. Sua “esperteza” – não apenas ludibriando seus interlocutores com promessas falsas, mas vangloriando-se em entrevista à Mônica Bérgamo – marcaram indelevelmente o grupo. Para o povão, este STF é Joaquim Barbosa; para a opinião pública especializada, Luiz Fux.

Ayres Britto – a maneira como barganhou o abafamento das denúncias contra o genro, a forma servil com que se entregou aos holofotes da mídia e a má qualidade de seus versos comprovaram que um Ministro do STF pode ser bem mais humano do que um deputado sem formação acadêmica. No STF acabou com o direito de resposta. No CNJ, cometeu o absurdo de colocar entidades privadas, representantes da mídia, em uma comissão com poderes judiciais.

Gilmar Mendes – na CPI do Grampo, protagonizou dois episódios de falsa denúncia: o relatório que saiu do seu gabinete para a Veja, denunciando um grampo no Supremo; e o grampo sem áudio, de sua fala com Demóstenes Torres. No episódio do “mensalão”, outra parceria com a revista, ao escandalizar o episódio do encontro com Lula e, depois, se contradizer. Não se coloca em dúvida seu conhecimento jurídico. Mas pretender que seja um varão de Plutarco vai uma distância que nem a teoria do domínio do fato ousaria transpor. Ficou nítido que usa a visibilidade do Supremo para articulações políticas e midiáticas esdrúxulas.

Por tudo isso, os cinco do Supremo não despertam unanimidade nem entre magistrados.

Procuradoria Geral da República

Coloquei intencionalmente o título de Procuradoria Geral da República para diferenciar bem a organização de seu chefe ocasional. A organização fica; as chefias passam.

Apesar de toda blindagem da mídia, alguns episódios expuseram o jogo político de Roberto Gurgel e colocaram em xeque uma das maiores conquistas do Ministério Público Federal: a possibilidade da lista tríplice e a escolha do mais votado como Procurador Geral.

O primeiro episódio foi o fato insólito de Gurgel e sua esposa controlarem todos os processos envolvendo autoridades com foro privilegiado. Trata-se de situação impensável em qualquer democracia madura. Não houve um órgão interno, nem Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), capaz de coibir essa distorção.

Sem freios e contrapesos, Gurgel segurou o inquérito de Demóstenes Torres – seu adversário no MPF – e de Renan Calheiros, em troca do apoio de ambos à sua recondução. Só desengavetou depois de denunciada sua atuação.

A extrema radicalização do clima político, durante o julgamento do “mensalão”, levou o próprio MPF a aceitar, sem contestar, as explicações de Gurgel para o engavetamento da denúncia contra Demóstenes. Até hoje não se sabe quantos e quais processos ainda estão na gaveta, aguardando a vontade imperial do Procurador Geral.

Sem a blindagem da guerra política, o quadro muda. Tem-se, hoje em dia, uma corporação exemplar, guardiã incansável da cidadania, dotada de alguns dos quadros jurídicos mais preparados da República, mas indefesa em sua governança interna. E a organização terá que se debruçar sobre esse tema.
O grupo de Gurgel provavelmente será alijado do poder na próxima indicação do PGR. A corporação MPF terá um grande desafio pela frente, de restabelecer as formas de autocontrole para preservar a autonomia duramente conquistada depois da fase do chamado “engavetador” geral da república.

Na semana passada, anunciou-se a intenção de fortalecer o colegiado do MPF e do CNJ. Fortalece-se em relação ao outro poder: a chefia. É uma maneira branda de dizer que as chefias terão seu poder discricionário reduzido.

OAB

No auge do “mensalão”, quando se tentou aproveitar o clima de catarse criado para radicalizar a luta política, a OAB nacional esteve na linha de frente. A maioria dos membros da diretoria pronunciou-se politicamente. Quando Gilmar Mendes criou o clima de crise política, do encontro de Lula, Ophir Cavalcante, presidente da OAB, pediu explicações públicas ao ex-presidente.

Ontem, foi eleito o novo presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, por 64 votos a 16. Espera-se que tenha a grandeza de manter a neutralidade da Ordem, não entrando em conspiratas nem aderindo ao governo ou a partidos políticos. E enterrando definitivamente décadas de postura medíocre do órgão.

A partir da nova OAB, será colocada em marcha uma estratégia destinada a aumentar a eficácia institucional do Supremo e, ao mesmo tempo, diluir o poder ameaçador representado pelo pacto do grupo dos cinco: a proposta de aumento do colegiado de 11 para 21 ministros.

Há razões objetivas para tanto. O acúmulo de processos no STF exige mais Ministros para dar conta do trabalho. No plano político, haverá a necessária diluição do poder individual de cada Ministro, em benefício da instituição como um todo.
Sem grandes surpresas na frente econômica e política, encerra-se essa fase de deslumbramento do STF.

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