terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A mudança que faltou, por Cândido Grzybowski (O Globo)

Em janeiro de 2003, no Fórum Social Mundial, Lula fez um discurso para uma multidão, em Porto Alegre. Como membro do comitê organizador, eu estava lá. A emoção de estar vivendo algo novo tomava conta do ambiente.

Passados dez anos, li e reli a transcrição deste discurso. E lembrei da esperança que havia tomado conta do país. De fato, o Brasil não é o mesmo. Só não vê que mudou quem não se conforma com um governo apoiado por camadas populares. Isto, aliás, já é uma mudança num país de tradição elitista, que nunca reconheceu a cidadania dos milhões de trabalhadores, favelados, camponeses, quilombolas, indígenas, pobres e excluídos. O governo petista é expressão da vontade política dessas maiorias.

A lista de feitos é grande. Lembro algumas políticas para enfrentar a exclusão social: Bolsa Família e segurança alimentar, políticas para promoção de igualdade étnica, racial, de gênero, ações em favor dos não plenamente reconhecidos como cidadãos. As políticas em termos de direito ao trabalho e renda: geração de milhões de empregos. As políticas de educação e o acesso de milhões a bens e serviços antes impossíveis, popularizando o consumo e puxando o crescimento do país. No plano da economia, a política recente de redução dos juros.

O que poderia ser feito e que não aconteceu também é uma lista grande. Em vez de investimentos para garantir o direito à mobilidade, incentivou-se o carro individual, congestionando as cidades. Na segurança pública, o medo continua. Continuamos não enfrentando a negação do direito à água e ao saneamento das camadas populares. Num país de chuvas torrenciais, continuamos uma nulidade em prevenção. Talvez na saúde resida o câncer maior. Os esforços são notáveis; os resultados, pífios.

Para finalizar, destaco a mudança que faltou. O PT vai ser responsabilizado por não ter usado sua legitimidade para apontar no rumo de um novo modelo. O agronegócio cresceu e a reforma agrária ficou para as calendas gregas. Cerca de 70 mil grandes propriedades do agronegócio no Brasil têm 200 milhões de hectares, um quarto do nosso território. E 4 milhões de famílias penam para ter terra. O modelo econômico reativado aponta as mesmas opções de antes: exportações baseadas em "commodities" minerais e agrícolas, agronegócio, projetos sob a liderança de grupos econômicos e financeiros, energia ao custo de impactos socioambientais. Um modelo responsável pela crise social, ambiental e climática que a humanidade enfrenta.

O desafio, após dez anos de governo do PT, é criar uma onda de mudanças democráticas no país, em termos de mudança estrutural, de direitos e de participação cidadã, de sustentabilidade da sociedade com respeito ao nosso bem comum maior, o patrimônio natural de que somos gestores. Não temos como avançar em justiça social sem enfrentar a questão da sustentabilidade. Isto ainda está longe do ideário do PT.

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