segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Juiz da Monte Carlo acusa desembargador de impor constrangimentos e favorecer Cachoeira – por Josias de Souza (UOL)

Alderico Rocha Santos, juiz da Operação Monte Carlo, fez duros ataques ao desembargador Tourinho Neto, que cuida do caso no TRF-1, o Tribunal Regional Federal sediado em Brasília. Acusou-o de “impor constrangimentos” a ele e a outros dois magistrados que atuaram no processo em que figuram como réus Carlinhos Cachoeira e outras 80 pessoas. Acusou-o também de favorecer o bicheiro “criando fases processuais” não previstas na lei.

O juiz Alderico disse tudo isso por escrito, num ofício endereçado a Tourinho, com cópia para o Ministério Público Federal. Sob o número 115/2012, o documento tem três folhas. É datado de 22 de novembro, esta quinta-feira. O blog obteve uma cópia. Trata-se de resposta da 11ª Vara da Justiça Federal de Goiás a uma reclamação protocolada no TRF pela empresa Vitaplan, um laboratório farmacêutico que tem como sócios a ex-mulher e o ex-cunhado de Cachoeira: Andréa Aprígio de Souza e Adriano Aprígio de Souza.

A Vitaplan insurgiu-se contra uma ordem de Alderico. O juiz determinara o bloqueio das contas bancárias e aplicações financeiras da empresa. Por meio de seus advogados, a ex-mulher de Cachoeira alegou no TRF que a medida desrespeitou uma decisão do tribunal. Há cinco meses, num recurso relatado por Tourinho, a 2ª Seção do TRF havia liberado as contas do laboratório, derrubando despacho do juiz Paulo Augusto Moreira Lima, antecessor de Alderico no processo da Monte Carlo.

Submetido à reclamação contra o novo bloqueio, Tourinho enviou a Alderico um pedido de explicações. No texto, o desembargador expressou-se em termos inusitados. Anotou que ‘o juiz está na iminência de pular o corguinho”. Ordenou que se explicasse , “sem tergiversação”. Deu razão à Vitaplan: “…Não poderia o juiz de primeira instância cassar a decisão da 2ª Seção deste tribunal.”

Alderico abespinhou-se com o teor do ofício. Insinuou que Tourinho não lera seu despacho: “Ao contrário do afirmado, […] este juiz não cassou ou sequer afrontou a decisão da 2ª Seção desse tribunal, pois basta que se faça a leitura da decisão recorrida”. Didático, recordou que o TRF desbloqueara as contas da Vitaplan sob a alegação de que a providência “estava carente de fundamentação”.

Explicou que a situação agora é diferente: “A decisão deste juiz […] fundou-se em novos elementos de prova colhidos no bojo de inquéritos policiais instaurados para apurar crimes de lavagem de dinheiro por parte dos sócios e ‘laranjas’ da empresa Vitapan.” Alderico acrescentou: “A propósito, causam estranheza os termos censórios utilizados por esse douto relator [Tourinho], tanto em relação a este juiz quanto aos demais colegas que aturaram no processo, os doutores Paulo Augusto Moreira Lima e Daniel Guerra Alves.”

Os termos utilizados por Tourinho, escreveu Alderico, “têm imposto constrangimentos e elevada carga de estresse aos juízes que atuaram no processo da Operação Monte Carlo, além de receios, nos juízes que figuram como substitutos automáticos para o processo, de serem publicamente ridicularizados.” Titular da 5ª Vara Federal Criminal de Goiás, Alderico atua na 11ª Vara Federal como juiz substituto. Assumiu o processo contra Cachoeira depois que o outro magistrado, Paulo Moreira Lima, pediu afastamento do caso.

No ofício a Tourinho, Alderico recordou que nenhum dos juízes da Monte Carlo se dirigiu a ele em “termos chulos ou desrespeitosos.” Cobrou reciprocidade: “…O mínimo que se exige de um magistrado é equilíbrio, coerência e uso de termos comedidos, mais ainda quando se reporta a colegas.”

Alderico deu a entender que lhe sobrariam razões para dispensar a Tourinho o mesmo tratamento que recebe dele. Injetou no ofício uma grave acusação. Escreveu que, em decisão “monocrática” (individual), o desembargador estabeleceu “procedimento diverso da lei” para beneficiar Carlinhos Cachoeira.

Segundo Alderico, Tourinho estipulou “prazo e forma para as alegações finais” da defesa de Cachoeira antes que a 11ª Vara de Goiás tomasse qualquer decisão sobre a matéria. Fez isso “suprimindo a atuação desta primeira instância” e “criando fases processuais não contidas no Código de Processo Penal”. O juiz informou ao desembargador que a decisão causa-lhe “constrangimento”. Por quê? “Nas audiências, os advogados [dos outros réus] têm exigido que lhes seja dispensado o rito processual do Carlos Cachoeira, não o contido na lei.”

O juiz insinuou que o desembargador não dispõe de autoridade para cobrar “coerência”. Sem descer a detalhes, Alderico disse que Tourinho “se negou a prestar informações” sobre o processo requeridas por outro desembargador, Souza Prudente. “Além de ter afrontado por duas vezes decisão do STJ.”

Tourinho converteu-se em pedra no sapato dos magistrados que passaram pelo processo aberto contra Cachoeira e sua quadrilha. Não fosse pelo desembargador, Cachoeira ainda estaria na penitenciária da Papuda, em Brasília. Preso em 29 de fevereiro, nas pegadas da deflagração da Operação Monte Carlo, o bicheiro protocolara no STJ um pedido de habeas corpus. Amargou resposta negativa.

Seus advogados foram bater às portas do TRF. Ali, obtiveram de Tourinho uma ordem de soltura. O STJ revogou. Tourinho voltaria a deferir um habeas corpus em favor de Cachoeira mais tarde. Dessa vez, o bicheiro só permaneceu em cana por que havia contra ele outra ordem de prisão, expedida pela Justiça de Brasília na Operação Saint Michel.

Nesta semana, Cachoeira foi condenado nesse processo de Brasília. Teve reconhecido o direito de recorrer em liberdade. Como a outra ordem de prisão já havia sido revogada por Tourinho, o réu foi ao meio-fio num instante em que o juiz Alderico redige a sentença de Goiás. Tourinho havia liberado Cachoeira sob o argumento de que o processo da Monte Carlo extrapolara os prazos. Abstivera-se de recordar que o caso arrastava-se além do necessário porque ele próprio determinara o trancamento da ação.

No texto que enviou a Tourinho, Alderico cuidou de refrescar-lhe a memória. Disse que os termos desrespeitosos do desembargor passam aos colegas dele no TRF “a ideia falsa de que os juízes de primeira instância estariam apaixonados pela causa” que envolve Cachoeira. Uma injustiça com juízes “profissionais e corajosos”, anotou. “Talvez não tanto quanto Vossa Excelência, por ter a coragem de ser o mesmo magistrado a suspender um processo e depois reconhecer o excesso de prazo”, acrescentou, irônico.

Nos dois derradeiros parágrafos do seu texto, Alderico caprichou na acidez. Primeiro, deu um conselho a Tourinho: se constatar “qualquer desvio de conduta deste magistrado, remeta os elementos probatórios pertinentes ao órgão competente para aplicação da pena de censura”, observados “o direito de defesa, o contraditório e o devido processo legal.”

No último parágrafo, o juiz informa ao desembargador que enviou cópia do ofício ao Ministério Público Federal. Para quê? A fim de que seja verificada “a prática de improbidade administrativa, quer seja deste magistrado ou do douto relator [Tourinho].” Mais explícito, impossível.

Tourinho deu de ombros para as explicações de Alderico. Deferiu o pedido de liminar formulado pelos advogados da Vitaplan, mandando desbloquear as contas bancárias do laboratório da ex-mulher de Cachoeira.

Comentário
De fato, o STJ tem um histórico bastante extenso de vendas de sentença. Seria uma bela pauta para a mídia – se o seu esforço contra a corrupção fosse verdadeiro.

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