sábado, 16 de junho de 2012

Guido Mantega: "O Brasil será o país da produção, não da especulação" - por Guilherme Barros (Istoé Dinheiro)

A presidenta Dilma Rousseff convidou os governadores ao Palácio do Planalto na sexta-feira 15 para anunciar a criação de uma linha especial de crédito de R$ 20 bilhões para os Estados, destinada a estimular o investimento no País.

Depois do baixo crescimento do PIB no primeiro trimestre, o governo partiu para o ataque. A prioridade é o investimento. Em entrevista exclusiva concedida à DINHEIRO, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirma que não existe distinção entre estímulo ao consumo e o investimento. “A cada oito medidas de estímulo ao investimento, tomamos duas para o consumo”, afirma. Mantega também rebate as críticas de excesso de intervencionismo na economia. “Nunca existiu.” Sobre a redução da euforia em relação ao Brasil, diz que o entusiasmo só acabou para os especuladores. “O Brasil será o país da produção, não da especulação.” Para ele, o País vive hoje uma revolução com a queda da taxa básica de juros. “Com a Selic neste patamar, as aplicações no mercado financeiro vão ser deslocadas para o mundo real”, diz Mantega, que ainda aposta num crescimento do PIB acima de 3% para este ano.

DINHEIRO – O governo adotou várias medidas de estímulo ao investimento, como o crédito especial de R$ 20 bilhões aos Estados. É uma resposta às críticas dos que consideram insuficiente privilegiar apenas o consumo para combater a crise?
MANTEGA – É um equívoco fazer essa dicotomia entre o consumo e o investimento. Os dois têm de ser estimulados. O investimento não ocorre sem um mercado de consumo e vice-versa. Temos estimulado o investimento desde sempre, tanto que ele cresce há vários anos consecutivos.


DINHEIRO – Mas está em queda, agora.
MANTEGA – Em momentos de crise, o investimento sempre se retrai. O investimento é mais sensível às expectativas e à crise internacional. O que se tem de fazer, neste momento, é reproduzir a fórmula vencedora que utilizamos em 2008/2009, que é estimular alguns programas de consumo, aqueles que têm impacto maior na economia, mas, ao mesmo tempo, também incentivar o investimento. Para cada oito medidas de estímulo ao investimento, temos tomado duas para estimular o consumo.


DINHEIRO – Os investimentos públicos estão travados?
MANTEGA – Os investimentos do governo federal só têm aumentado. Muitos tomam como base apenas um segmento, uma área específica, e se esquecem do todo. Em vez de uma floresta, só olham uma árvore. O PAC, neste ano, é maior do que em 2011. São R$ 42,5 bilhões, e, no ano passado, foi pouco mais de R$ 30 bilhões. Será o maior PAC desde 2007, quando foi criado. Só nos primeiros quatro meses deste ano, houve um aumento de 50% na liberação de recursos do programa. É claro que alguns setores estão com um desempenho menor do que no ano passado, mesmo porque só temos, até agora, os números de quatro meses de execução. Ao longo do ano, isso muda.


DINHEIRO – O governo tem sido criticado pelo excesso de intervencionismo na economia. Para muitos, a imagem do Brasil começa a ser afetada. Como o sr. recebe essas críticas?
MANTEGA – Isso nunca existiu. O governo tem dialogado com vários setores. No caso do setor financeiro, por exemplo, temos tentado persuadi-lo com o diálogo e a concorrência. Não usamos nenhum instrumento de coação com os bancos privados. Eu e o Tombini (Alexandre Tombini, presidente do Banco Central) temos conversado com os presidentes dos bancos para discutir a realidade brasileira, compartilhado com eles a situação e tentado convencê-los de que é importante fazer uma política anticíclica, e não pró-cíclica. Eles já quebraram a cara lá atrás ao fazer uma política pró-cíclica. Também temos usado a arma da concorrência, ao estimular os bancos públicos a liberar mais crédito.


DINHEIRO – Diminuiu a euforia com o Brasil?
MANTEGA – O que acabou foi o entusiasmo daqueles setores especulativos que faziam arbitragem no Brasil. A arbitragem diminuiu, porque nós criamos barreiras, como o IOF, diminuímos a sua rentabilidade, e, também, porque a Selic vem caindo. Nós nos tornamos menos atrativos para os que fazem arbitragem e mais atrativos para quem faz investimento direto. O investimento direto foi recorde, no ano passado, ao atingir a marca de US$ 67 bilhões. Neste ano, em 12 meses, está em US$ 63 bilhões. O Brasil será o país da produção, e não da especulação. Claro que aqueles que ganhavam dinheiro fácil com a arbitragem estão contrariados.


DINHEIRO – Muitos defendem a desoneração de impostos para ampliar os investimentos. O governo estuda medidas nesse sentido?
MANTEGA – O principal estímulo é a redução dos juros. Nunca tivemos uma Selic nesse patamar. A Selic de 8,5% significa uma revolução na estrutura produtiva e uma quebra de paradigma. O Brasil está vivendo uma reforma estrutural, de magnitude que ainda não foi mensurada, com um efeito gigantesco.

Obras da usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia
DINHEIRO – Essa pode ser a maior bandeira do governo Dilma?
MANTEGA – Essa é a maior reforma estrutural que está sendo feita no Brasil, neste momento. Não é a única, mas é a maior em termos de impacto para a economia brasileira. A economia brasileira sempre foi prisioneira de juros altos e dívida elevada. A queda dos juros não só alivia o setor produtivo como também melhora a situação fiscal da União. A União paga menos juros. A despesa financeira cairá entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões, o equivalente a 1% do PIB.


DINHEIRO – Isso permite ao governo gastar mais?
MANTEGA – Permite ao governo investir mais. Caminhamos neste ano para um déficit nominal de 1,2% do PIB, um dos menores do mundo. Isso acontece, em parte, por causa da redução dos juros.


DINHEIRO – E o déficit primário? O governo vai cumprir a meta?
MANTEGA – O primário será de 3,1% do PIB. Vamos cumprir a meta. O importante é que, com a Selic nesse patamar, as aplicações que estavam no mundo financeiro começam a ser deslocadas para o mundo real. Quem ganhava 1,5% ao mês não ganha mais isso na renda fixa. As pessoas vão acabar buscando investimentos, no mercado imobiliário ou em debêntures, por exemplo. Vão se sentir atraídas a aplicar em títulos ligados à produção. Quando essa crise amainar, a bolsa vai se tornar bastante atrativa. Não há hoje onde ganhar dinheiro no mundo. Quem aplica nos Estados Unidos, quem está correndo para o Fed (o Banco Central americano), o pessoal que corre para o Bundesbank (o Banco Central da Alemanha) está perdendo dinheiro. Assim que acalmar um pouco, para onde eles vêm? Aqui ninguém está perdendo dinheiro.


DINHEIRO – O que garante tanto otimismo?
MANTEGA – O Brasil é um lugar seguro. Estamos hoje com a melhor situação fiscal de todos os tempos. É um dos poucos países no mundo em que a dívida em relação ao PIB está em queda. Vamos fechar este ano com menos de 36% da dívida em relação ao PIB, o que nos garante uma situação sólida , além de inflação baixa e sob controle e juros em queda. Os juros para investimento são os menores da história. O BNDES tem R$ 150 bilhões para emprestar, e nós ainda estamos aumentando as linhas de capital de giro do banco. Nestes últimos três anos, o BNDES emprestou R$ 450 bilhões, um volume extraordinário direcionado a investimentos.


DINHEIRO – O que falta para despertar o espírito animal do empresário?
MANTEGA – Falta confiança. Essa crise atemoriza um pouco, gera insegurança, mas tenho certeza de que o empresário brasileiro está vacinado. Ele viu, como em 2008/2009, quando a crise foi pior, que nós passamos por ela. O empresário sabe que o País é capaz de passar bem por uma crise, e hoje temos mais força do que antes. Temos o dobro de reservas internacionais e o compulsório do Banco Central está em R$ 400 bilhões. Estamos com todo o arsenal pronto para ser usado se necessário for, e se não for necessário, melhor ainda.

Leilão de aeroportos na BM&F Bobespa, em fevereiro
DINHEIRO – O câmbio está no lugar adequado?
MANTEGA – O câmbio está melhor do que há um ano, e isso dá competitividade para uma parte importante da indústria brasileira. Como os mercados estão travados, não é possível enxergar isso agora. Com a crise, se exporta menos. Mas, assim que destravar o mercado, os produtos brasileiros estarão mais competitivos. Estamos melhorando a nossa competitividade sob vários aspectos. Menor custo financeiro, menor custo tributário e menor custo cambial. São os três pilares que melhoram a competitividade do produto brasileiro.


DINHEIRO – O sr. não teme que a queda do investimento acabe se refletindo no emprego?
MANTEGA – Absolutamente. Claro que, se essa situação persistir, pode acontecer, mas é por isso que temos que tomar medidas de estímulo. Não podemos deixar cair o emprego. Já revertemos esse quadro. O setor automobilístico, que ia conceder férias, desistiu e está vendendo mais. O setor de linha branca também.


DINHEIRO – Depois desse trimestre fraco, qual a sua previsão para o comportamento da economia no resto do ano?
MANTEGA – A rigor, a economia permaneceu no mesmo patamar. O PIB tinha crescido 0,2% no trimestre passado, e ficou em 0,2%. O que puxou para baixo foi a agricultura com a quebra de safra da soja, a quebra de safra de fumo, a seca, foram problemas inesperados. Não foi a indústria que derrubou. A indústria cresceu 1,7%, o que, anualizado, significa 6%. No segundo trimestre, o PIB será certamente muito maior do que no primeiro. No segundo semestre, vamos estar crescendo a um ritmo de 4,5%. E devemos fechar o ano acima de 3%.


DINHEIRO – O que preocupa mais o governo? A desaceleração na China ou a crise na Europa?
MANTEGA – A desaceleração na China já foi estancada. De fato, houve uma desaceleração e o governo chinês, à semelhança do que fizemos, vem tomando medidas de estímulo ao consumo e ao investimento mirando mais crédito.
A China voltou a importar os produtos na mesma magnitude que estavam importando antes. A Europa é o grande problema.


DINHEIRO – E qual a expectativa para a reunião do G20 na próxima semana?
MANTEGA – A expectativa para o G20 é de ter uma reunião que seja decisiva. Não dá para continuar empurrando com a barriga. Os europeus estão presos numa armadilha, num círculo vicioso, no qual o setor financeiro se deteriora, o produtivo está parado, e alguns países podem quebrar. Eles precisam mudar a política econômica e de ajuste fiscal.

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