quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O julgamento da memória – por Nilmário Miranda (CartaCapital)

É um equívoco decretar o fracasso antecipado da Comissão da Verdade.

A presidenta Dilma Rousseff não deixa dúvidas sobre sua defesa da Comissão Nacional da Verdade em pronunciamentos, inclusive recentemente na abertura da reunião da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Também a atuação do ex-presidente Lula foi decisiva, quando, no auge do bombardeio que tinha como alvo o Programa Nacional de Direitos Humanos 3, defendeu a Comissão e enviou ao Congresso o PL 7376, em 10 de maio de 2010, elaborado pelo ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, em acordo com o ministro da Defesa à época, Nelson Jobim.

O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 21, com duas emendas que não alteram sua essência, e aguarda votação no Senado sob o número 88/2011, como foi renumerado.

A criação da Comissão Nacional da Verdade é mais um passo na construção da nossa vigorosa democracia, com a mesma importância da Lei da Anistia de 1979, que apressou o fim da ditadura, apesar da autoanistia aos torturadores, da Lei dos Mortos e Desaparecidos Políticos de 1995 e da lei que instituiu a Comissão de Anistia em 2001. Por mais importante que seja também não é o ponto de chegada, o último capítulo de avaliação sobre o período ditatorial. A impunidade da tortura permanece como um desafio a ser enfrentado.

O tema direito à memória e à verdade é novo e polêmico para nós, debatê-lo é saudável e necessário. Mas a mídia não contribui para o esclarecimento da sociedade com a difusão de críticas baseadas em inverdades. De onde um colunista tirou a informação de que a Comissão da Verdade só pode convidar e não convocar? A lei é clara: A Comissão Nacional da Verdade poderá “convocar, para entrevistas ou testemunho, pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias examinados”.

Como é possível afirmar que a Comissão incluirá militar? A lei sequer foi votada no Senado e, obviamente, os sete integrantes que a comporão ainda não foram escolhidos. Aliás, 5 mil militares foram excluídos das Forças Armadas por se oporem à ditadura e vários outros deram a vida por resistirem a ela.

E, ainda, de onde saiu a constatação de que as comissões da verdade em outros países foram compostas por centenas de pessoas? A argentina teve 13 membros e a chilena, oito integrantes.

Outro mito que vem sendo difundido é de que os trabalhos da Comissão serão sigilosos. Pela lei, a CNV poderá requisitar dados, documentos e informações sigilosos, mas não poderá divulgá-los ou disponibilizá-los a terceiros. Aliás, poderá-, inclusive, se valer do Poder Judiciário para garantir essa prerrogativa.

É evidente a supervalorização de algumas considerações de pessoas de boa-fé. Por exemplo, “sete componentes para a tarefa é pouco”. Em comparação com as outras comissões, pela primeira vez, os membros trabalharão em tempo integral, terão assessores vocacionados, disporão dos acervos das comissões de Mortos e Desaparecidos, de Anistia, do Memórias Reveladas e de uma enorme rede que existe ou está em formação nos estados e universidades.

“Dois anos de duração é pouco e que a Comissão não terá orçamento próprio.” Em outros países, as comissões trabalharam por um ano ou um pouco mais. Caso não conclua a tarefa em dois anos, a CNV poderá ter seu tempo de duração estendido pelo Congresso. Com relação ao orçamento, terá o respaldo inequívoco da presidenta Dilma e estará alocada na Casa Civil, o pulmão do governo, que tem força institucional, orçamento e poder de requisitar funcionários.

Enfim, antes de existir, trabalhar e produzir um relatório, a CNV já teve seu fracasso sentenciado por pessoas que avaliaram o que ainda não aconteceu, fazendo o caminho inverso de projetar o acontecido.

Nilmário Miranda é ex-ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e atual presidente da Fundação Perseu Abramo

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