domingo, 23 de janeiro de 2011

Para onde vai a social-democracia europeia? - por Vicenç Navarro (blog do Nassif)

Um dos indicadores mais claros da enorme crise e desorientação de alguns partidos social-democratas na Europa é o seguinte fato: de acordo com pesquisas recentes entre os membros do Partido Socialista Francês, um dos candidatos preferidos para representar o partido como na eleição presidencial local é nada menos que o “socialista” Dominique Strauss-Kahn, diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), a instituição financeira internacional que conduz a suposta solução para a crise econômica com base em medidas de austeridade em massa, que são prejudiciais à qualidade de vida e ao bem-estar das populações dos países da União Europeia.

O exemplo mais recente dessas políticas têm sido as medidas impostas à Irlanda, que incluem a eliminação de 24.750 empregos públicos (8% da força de trabalho), um decréscimo de 10% dos salários, uma redução drástica das transferências públicas para as famílias de baixa renda e para a saúde pública, bem como o congelamento das pensões por aposentadoria, um incremento da regressão fiscal e um aumento do IVA, que passará de 21% para 24% até 2014; a inclusão das famílias de baixa renda (até agora isentas de pagar impostos) na base de contribuintes, uma redução em 11% do salário mínimo e uma longa lista de medidas que estão prejudicando a classe trabalhadora e outras camadas da população.

Todas estas medidas foram impostas às classes populares da Irlanda, como condição para o FMI emprestar ao governo 22 mil milhões de euros (a juros claramente inflacionados de 5,7% a.a.). Estes fundos, no entanto, não serão dirigidos à melhoria do bem-estar da classe trabalhadora irlandesa, mas sim para pagar a dívida do governo irlandês com os bancos que compraram essa dívida pública. A assim chamada “ajuda” do FMI à Irlanda não se destina ao povo irlandês, mas aos bancos estrangeiros (ingleses, alemães, franceses, belgas e outros) que haviam emprestado dinheiro ao governo para que este, naturalmente, pudesse salvar bancos irlandeses que desmoronaram após especular no mercado imobiliário. O déficit do governo irlandês passou de 14% em 2009 para 32% em 2010 em grande parte devido à “ajuda” do governo para os bancos irlandeses, especuladores em alto grau.

A Irlanda, na verdade, tinha sido apresentada pelos neoliberais como o exemplo do acerto de suas políticas. O fracasso dessas políticas foi exposto pelo colapso do sistema bancário e enormes subsídios estatais a favor dos bancos. Além disso, nenhum banco estrangeiro pode perder dinheiro, o que se consegue através do pacote de “ajuda” do FMI, disfarçado como um auxílio para a Irlanda. Na realidade, os bancos estrangeiros, que receberam empréstimos do BCE a um custo de apenas 1%, agora possuem títulos do governo irlandês, que, graças ao FMI, pagarão juros mais de cinco vezes maiores. Em outras palavras, um ganho especial em detrimento da classe trabalhadora irlandesa. E tudo sob a supervisão de uma instituição, o FMI, liderada por um “socialista”, e que é um dos favoritos do Partido Socialista Francês para a disputa das próximas eleições presidenciais em França. À luz destes e de outros dados é fácil entender por que a social-democracia na França está em crise profunda, resultante da sua enorme confusão e desorientação.

Outro exemplo de confusão: A promoção de Blair e Clinton nos Fóruns Sociais

Outro exemplo de confusão é a promoção, pelos principais think tanks dos partidos social-democratas europeus (incluindo o espanhol) dos valores encarnados em Tony Blair e Bill Clinton, apresentando-os como indivíduos progressistas e que têm assento nas reuniões sobre o futuro das forças progressistas em o mundo. Tony Blair foi o maior responsável pelo colapso do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha. Como mencionei em outro artigo, "A crise da social-democracia na Europa" (18/06/2010), o Partido Trabalhista caiu da preferência de 33% do eleitorado total em 1997 para 25% em 2001 e 22% em 2005. Se o Reino Unido tivesse um sistema eleitoral proporcional, teria perdido a maioria já na eleição seguinte à que ganhou em 1997. O viés eleitoral que favorece os dois grandes partidos atenuou a situação, de modo que, apesar da queda acentuada junto ao eleitorado, o Partido Trabalhista (New Labour) manteve a maioria parlamentar até 2010. Esta foi a causa da longevidade do mandato de Blair, que não se deveu à sua popularidade (como Anthony Giddens e outros porta-vozes liberal-sociais da Terceira Via atualmente argumentam), que caiu drasticamente, e sim ao sistema bipartidário e aos enormes problemas internos do Partido Conservador. Passando ao ex-presidente Clinton, suas políticas foram responsáveis pela enorme derrota do Partido Democrata nas eleições para o Congresso em 1994, devido à abstenção massiva de seus eleitores (como aconteceu no RU com o New Labour), e que resultou numa grande vitória para o Partido Republicano. O presidente Clinton e seu ministro das Finanças, o Sr. Robert Rubin, banqueiro de Wall Street, e Alan Greenspan, confirmado em seu cargo como chefe do Banco Central dos EUA pelo presidente Clinton, eram os executores das políticas de desregulamentação do capital financeiro (com ênfase na revogação do Glass-Steagall Act), responsáveis pela catástrofe e pela crise que enfrentamos. O papel histórico destas duas figuras foi deletério para a social-democracia e as forças progressistas em ambos os lados do Atlântico. Surpreendentemente, damos a eles um fórum de reflexão sobre temas sociais para promover as suas ideias, o mesmo espaço que é negado a dirigentes e intelectuais com comprovadas credenciais progressistas. É esta a reflexão que a social-democracia pretende fazer sobre o seu futuro?

Comentário
Não é a toa que não sou social-democrata, e sim socialista. E socialista, mesmo, não como este pseudo-socialista Dominique Strauss-Kahn, que, pasmem, mantém esta nomenclatura  e tem a cara de pau de compor o FMI.

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