terça-feira, 8 de junho de 2010

Sem mistério – por Delfim Netto (CartaCapital)

Os brasileiros trabalharam e voltaram a acreditar que é possível estimular o crescimento sem perder de vista os objetivos de justiça social


Em seu segundo mandato, com o andamento das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – o presidente Lula começou a devolver ao País a ideia do desenvolvimento. O Brasil vinha manquitolando há 20 anos, a economia patinava e os brasileiros pareciam ter perdido a crença na possibilidade de voltar a crescer de forma robusta e mais rapidamente.

Depois de enfrentar o sufoco de inesperados problemas políticos em seu primeiro período de governo e afastar o risco de uma recidiva inflacionária herdada do antecessor, ele interpretou corretamente o recado das urnas ao ser reeleito: a sociedade queria o desenvolvimento com mais justiça social.

Ao lançar o PAC, Lula reacendeu o ânimo do crescimento, mobilizou os empresários, estimulou os bancos oficiais a darem suporte aos investimentos privados, conseguiu reanimar o espírito animal do empresariado, que logo voltou a tocar os projetos, a aumentar a produção e criar empregos.
Muitas pessoas parecem bastante surpresas com o fato de estarmos hoje crescendo à taxa anual próxima de 6%, como se fosse um novo milagre, lembrando o crescimento dos anos 70 do século XX, quando na verdade o PIB cresceu 10% durante vários anos por conta de fatores bem reais que nada tinham a ver com o sobrenatural.

Da mesma forma que naquele período, o crescimento atual é fruto do trabalho dos brasileiros, que voltaram a acreditar que é possível acelerar o desenvolvimento sem perder de vista os objetivos de justiça social. O grande mérito do presidente Lula foi convencer a sociedade de que o Brasil tinha readquirido as condições para crescer vigorosamente, com inflação sob controle e melhorando a distribuição de renda. Três anos e meio depois, os dados sobre o consumo, a expansão da oferta de empregos e o aumento do salário real indicam um nível de crescimento anual do PIB provavelmente acima de 6% e não será nenhuma surpresa se esse ritmo se sustentar nos próximos anos.

Há fortes motivos para acreditar que, nessa nova fase de desenvolvimento, a economia brasileira estará bem menos ameaçada por crises internas ou externas, como aquelas que interromperam o robusto crescimento nas últimas três décadas do século XX. Nossa economia mostrou-se suficientemente sólida durante os momentos mais dramáticos da crise que abalou as finanças mundiais a partir de 2008. Mais importante é o fato de que reduzimos efetivamente os riscos de crises de energia ou de restrições de financiamento externo, graças à retomada dos projetos de geração hidrelétrica e ao bônus da natureza representado pelo petróleo do pré-sal.

Esses dois problemas interromperam o desenvolvimento brasileiro em diferentes ocasiões ao longo do século passado: as mais graves foram a crise produzida pela brutal elevação dos preços do petróleo nas décadas de 70 e 80 (o que obrigou o País a endividar-se para pagar as importações de petróleo, que correspondiam a 80% do consumo de combustível) e o inesperado apagão energético de 2001, que resultou numa queda de 2% do PIB brasileiro. Com o reinício da construção das grandes usinas hidrelétricas nas Regiões Centro-Oeste e Norte, vai se recompondo a matriz original brasileira de energia limpa, não poluente. Numa outra vertente, a extração de óleo e gás de petróleo do pré-sal consolida a autossuficiência em combustível e abre um vasto campo para investimentos na indústria petroquímica.

Devemos nos acostumar, então, com os problemas que habitualmente acompanham a aceleração do crescimento, a começar pelo fato de que desenvolvimento não significa equilíbrio. Já temos vários setores reclamando da falta de mão de obra e outros em que se generalizam as queixas quanto à situação precária da infraestrutura, especialmente o estado das rodovias e o estrangulamento dos acessos aos portos. O desenvolvimento é isso mesmo: cada problema resolvido cria mais dois para serem enfrentados mais adiante. Trata-se, portanto, de lidar com situações de desequilíbrio próprias de um processo de crescimento acelerado.

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