sexta-feira, 2 de abril de 2010

Márcia Denser: Os professores e a real face de Serra (Congresso em Foco)

Desta vez eu canto a bola, coleguinhas & hidrófobos demotucanos, até porque aqui, de Sampa, a porta da realidade não é a Rede Bobo, tampouco as chamadas dos jornalões Folha e Estadão, mas a realidade circundante, a cotidiana, a realidade dos fatos ao meu redor, a mais pedestre e epidérmica. Ei-la: dia 19/3, sexta-feira, tipo 15h, casualmente, desci do metrô na Avenida Paulista (esquina com Brigadeiro Luís Antonio). Metrô lotado, inclusive por professores estaduais que iam à manifestação da categoria. À saída da Estação, eles foram entusiasticamente aplaudidos pelo distinto público circunstante (including me), aquela multidão que habitualmente se espalha pelos corredores e escadas rolantes. Pensei: algo definitivamente está mudando.

Mas existem outras portas da realidade (e da percepção) – os blogueiros do bem da web – Azenha, Eduardo Guimarães, André Lux, Miguel do Rosário, Nassif, Argemiro Ferreira de Nova York, Altamiro Borges, Paulo Henrique Amorim, Celso Lungaretti (que vez-em-quando escreve aqui) e sobretudo ultimamente os editoriais da Agência Carta Maior.

By the way, aviso aos coleguinhas & hidrófobos demotucanos: estou realmente prestando um serviço ao leitor de Congresso em Foco, pois não adianta procurar no site. Os editoriais on-line são renovados dia-a-dia, às vezes a cada doze horas (tipo celular de traficante) e não há arquivo disponível.

“Com arrocho sobre o funcionalismo que presta serviços à população –em especial, áreas da educação e saúde, cujos salários não foram sequer corrigidos pela inflação; com taxa de homicídio em alta no setor da segurança pública; com níveis de aprendizado que fazem um aluno de SP concluir o ensino médio sem ter assimilado nem mesmo o que se espera de uma criança ao final da 8º série; com a aura de gestor eficiente dissolvida nas inundações de verão deste ano em SP; com um legado político cujo símbolo maior é o desmoralizado prefeito de SP, Gilberto Kassab, Serra deixa hoje o governo do Estado para assumir oficialmente o papel de líder da oposição conservadora ao governo Lula. Uma frente de sindicatos e organizações populares saudará o bota-fora do candidato demotucano com manifestações na Av. Paulista, nesta quarta-feira.” (Carta Maior – 31/03)

“76% dos brasileiros consideram o governo Lula ótimo ou bom. Desse total, 33% declaram voto em Dilma; 32% em Serra. Detalhe: 42% do eleitorado ainda não sabe que Dilma é a candidata de Lula, embora nos levantamentos espontâneos 23% já manifestem intenção de votar na ministra, num candidato de Lula ou nele próprio. O Datafolha, naturalmente, não avalia se o eleitor sabe que Serra é o líder da oposição conservadora a Lula e ao seu governo, detalhe que o candidato demotucano procura dissimular de maneira sebosa e oportunista. Esse esclarecimento pedagógico caberá à propaganda eleitoral e ao próprio Presidente Lula.” (Carta Maior – 29/03)

“É fato que a categoria (dos professores), de 230 mil pessoas, ganha pouco e não teve nos últimos anos nem direito à reposição da inflação. Existe, pois, uma demanda material, antes de ser ‘ideológica’. A verdade é que José Serra dispensa aos grevistas exatamente o mesmo tratamento de que julga ser vítima. Demoniza, desqualifica, não reconhece os professores como interlocutores e parte de conflitos próprios do jogo democrático. Recusa-se a conversar porque são petistas, porque estão a serviço da campanha adversária.Deve ser fácil governar São Paulo tendo a Assembléia Legislativa a seus pés. Mas, sempre que a política não se desenrola entre quatro paredes, com atores previsíveis, Serra se revela inábil. Em 2008, sua condução desastrosa da greve da Polícia Civil, recusando-se ao diálogo, desembocou numa batalha campal com a PM a poucas quadras do Bandeirantes. Desde então, pode-se dizer que Serra não aprendeu nada.” (Folha pag.2 –até tu?! — sobre a greve do professorado paulista que tem assembléia hoje às 15 h em frente ao Palácio dos Bandeirantes; CartaMaior, 26/03)

“Exceto sob Vargas, São Paulo quase sempre subordinou a federação a seus interesses, o que ocorreu de forma visceral sob FHC. Isso deixa marcas de ressentimento e aprendizado. A plutocracia paulista tem hegemonia quando mandam os ‘livres mercados’ — leia-se, seus interesses hegemônicos calcificados; perde espaço quando o planejamento estatal reacomoda interesses regionais e redistribui os benefícios dos fundos públicos, como ocorre agora com o PAC. Serra, independente do que ele diz que pensa, ou do que os seus amigos pensam que ele pensa, é o representante do conservadorismo paulista que não une o Brasil; aliás não une nem o PSDB -vide Aécio. O ‘desenvolvimentismo de boca’ do governador de SP –ironia de Maria da Conceição Tavares– na verdade nunca passou de um fiscalismo engajado na defesa da hegemonia quatrocentona, contra as urgências do restante do país.” (Carta Maior e a difícil tarefa da coalizão demotucana de transformar um cavalo de tróia da plutocracia paulista em presidente de todos os brasileiros, 15/03)

Ouvi no rádio que os professores, através do seu sindicato, serão processados judicialmente por Serra & Asseclas “por usarem a greve com fins eleitorais”. Mas é claro que existe, não exatamente “um fim” (apoiar outro candidato), como querem Serra & Asseclas, antes um “oportunismo eleitoral normalíssimo” – você não usaria se estivesse na pele deles? – cujo objetivo óbvio seria obter um aumento do agora ex-governador. Ou seja, descer o cacete nos manifestantes e depois processá-los judicialmente, este é o modus operandi exemplar dum candidato a presidente que, em ano eleitoral, até por razões estratégicas, deveria mostrar sua face mais amável?

Então como será – parafraseando o título dum texto de Ivan Ângelo – sua face horrível?

*A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango Fantasma (1977), O Animal dos Motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), A Ponte das Estrelas (1990), Toda Prosa (2002 – Esgotado), Diana Caçadora/Tango Fantasma (2003,Ateliê Editorial, reedição), Caim (Record, 2006), Toda Prosa II – Obra Escolhida (Record, 2008). É traduzida na Holanda, Bulgária, Hungria, Estados Unidos, Alemanha, Suiça, Argentina e Espanha (catalão e galaico-português). Dois de seus contos – O Vampiro da Alameda Casabranca e Hell’s Angel – foram incluídos nos 100 Melhores Contos Brasileiros do Século, sendo que Hell’s Angel está também entre os 100 Melhores Contos Eróticos Universais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUCSP, é pesquisadora de literatura, jornalista e curadora de Literatura da Biblioteca Sérgio Milliet em São Paulo.

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