domingo, 7 de março de 2010

Como Serra ficou refém da força cega - por Luis Nassif

Primeiro, conseguiu-se cooptar a mídia.Conseguiu-se o maior espaço que um político já teve na velha mídia, maior até que o de Fernando Henrique Cardoso.

Depois, terceirizou-se para ela o discurso de oposição. Não se cuidou de apresentar idéias-força que permitissem alguma ordem na tropa midiática. Quais os novos valores pelos quais lutar? Qual o pensamento econômico, social, a visão de Estado do candidato? Qual a sua herança no governo de São Paulo, para se contrapor ao discurso da situação? Nada. Apenas levantamento de fatos negativos, criação de factóides, ataques sistemáticos, miopia em relação a qualquer avanço registrado. E, do mundo, ecos cada vez mais insistentes de que alguma coisa estava dando certo por aqui.

O candidato Serra não passou o discurso, deixando a tropa solta. E aí, sai de baixo, porque despertou a força cega. E toca o coral a defender um neoliberalismo superado, combater as políticas sociais, insistir na Bolsa Esmola, confrontando tudo o que o PSDB histórico sempre defendeu e o que se pensava que seu candidato defenderia. Os verdadeiros tucanos, órfãos; e uma tropa agressiva tomando seu lugar e trazendo um discurso que, quando do PFL, provocava urticária em todos, da dona Ruth ao jovem militante.

Despertada a força cega, a indecisão de Serra, então, se manifestou em sua plenitude: ficou receoso de confrontar, de conversar com sua tropa para explicar que não era bem isso o que pensava. Tornou-se prisioneiro da sua criatura. O único ponto em comum era passar dicas de personagens que deveriam ser atacados pela banda mais barra-pesada da turma; ou slogans que deveriam ser repetidos pela banda mais leve. Só que a banda mais leve não conseguia avançar um milímetro além da crítica irracional e generalizante ao Estado.

Com essa estratégia monumental de Serra, os políticos profissionais se encolheram. Lá em Minas, Aécio, herdeiro das melhores tradições políticas de Minas, ousava discordar: não é assim, tem que se apresentar como continuidade melhorada, não pode falar mal de quem é popular. Quem ouvia? Toca os colunistas políticos, grandes especialistas em analisar o momento horário, a desancar o Aécio, mostrar que sabedoria política quem tinha era o Serra.

Como o único aliado do PSDB passou a ser a mídia, como enfrentar esse alarido?

O pobre do Saulo Queiroz, deputado do DEM, que sabe tudo de política, arrancava os cabelos meses atrás, vendo o único candidato viável – Aécio – sendo fritado pelos próprios companheiros. Ele imaginava a Dilma recomposta da doença, voltando a ter cabelos, desinibindo-se na campanha e soltando sua prosa mineira. Do outro lado, olhava Aécio, jovem, alegre, carismático; e olhava Serra, carrancudo, pesado, sem poder representar o novo. E arrancava os cabelos!

Em vão! Em Brasília, os estrategistas de Dilma torcendo para que Serra levasse sua indecisão o longe suficiente para impedir Aécio de pular de partido e se lançar candidato. Cada vez que essas notícias vazavam, lá vinham os doutores da alegria contra-argumentar: a situação está lançando esse balão esperando que a gente desista do nosso campeão, o Serra.

O clima ficou tão histérico, o radicalismo dos novos formuladores da política tão exacerbado que se cercasse virava hospício; se cobrisse, virava circo.

Virou uma festa, como nesses jogos de guerra, ou de banco hipotecário: todo jornalista do grupo brincando de fazer política. E, pior, acreditando que seu jogo era sério. Colunistas se tornaram estrategistas políticos, se abandonar a visão de torcedores, cada qual com um trunfo debaixo da manga, com a fórmula salvadora ou desesperada. Toca o parajornalista daqui a lançar a candidatura Serra-Marina; a brava colunista econômica ordenando à oposição que levantasse tais e tais temas – todos negativos, todos apenas criticando, sem nenhuma proposição. Ou então o coro dos iludidos batendo no Aécio por não ter aceitado a nobre missão de ser… vice. Uma balbúrdia infernal, cada qual com sua fórmula milagrosa para salvar a candidatura Serra. E o pobre do Saulo arrancando os cabelos.

O resultado final está aí. O PSDB ficou refém dessa balbúrdia. E a força cega da mídia impediu que se construísse uma candidatura alternativa, uma bóia capaz de salvar a oposição do naufrágio.

O dever dos outros – por Marcos Coimbra (Jornal Estado de Minas)

O dever dos outros Quando Aécio retirou seu nome da disputa para ser o candidato tucano a presidente, não estava subentendido que permaneceria na chapa como vice. Aécio jamais pensou em ser candidato a vice e negou a possibilidade vezes sem conta

A pressão que alguns setores da oposição fizeram, nos últimos dias, sobre Aécio Neves chegou a ser, em alguns momentos, engraçada. Tudo para que ele aceitasse, de preferência imediatamente, ser o vice de Serra nas eleições deste ano.

Começava aí o lado cômico, querer que alguém corresse para anunciar que seria o vice de quem ainda não dissera ser candidato. Até as pedras da rua sabem que não é assim que as coisas acontecem e que, para montar uma chapa, o primeiro passo é a “cabeça”, como se diz no jargão da política. Chega a ser ridículo o inverso.

Não era engraçado, mas pouco compreensível, o argumento de que, mesmo sem que Serra tivesse assumido a candidatura, Aécio deveria se oferecer para secundá-lo. Nunca houve um compromisso desse tipo entre os dois e, quando Aécio retirou seu nome da disputa para ser o candidato tucano a presidente, não estava subentendido que permaneceria na chapa como vice. Aliás, o que sempre foi afirmado pelas lideranças dos partidos de oposição é que a vaga de vice seria para um nome de fora do PSDB, de maneira a reforçar a aliança entre eles.

Aécio jamais pensou em ser candidato a vice e negou a possibilidade vezes sem conta. Esqueçamos, por um momento, suas razões (que são boas). Digamos que era apenas seu desejo. Ou seja, que ele apenas preferia ser candidato a outra coisa, no caso, ao Senado. Que, não sendo candidato a presidente da República, não era de seu interesse participar da eleição nacional.

Na imensa maioria dos países, uma declaração como essa não causaria espanto. Salvo nos partidos altamente centralizados e com disciplina rígida (como as organizações extremistas militarizadas, de esquerda ou direita), os políticos costumam direcionar a carreira segundo suas próprias conveniências e preferências. Ninguém é obrigado a ser candidato a isso ou aquilo.

No Brasil, nem se fala. Aqui, os partidos não determinam “missões” a seus filiados, não os forçam a concorrer a cargos aos quais não aspiram.

Veja-se, por exemplo, o que está acontecendo agora, na eleição presidencial. Marina foi incumbida pelo PV a se candidatar? Teria sido Dilma constrangida a concorrer? Quando o PSOL quis que Heloísa Helena se candidatasse e ela não, o que aconteceu? Ciro está no páreo por determinação do PSB?

E Serra? Sua insistência em só assumir a candidatura quando quiser não está sendo respeitada por todos? Mesmo se a quase totalidade de seus companheiros não concorda com ele?

Não fazia sentido tamanha desproporção de pesos e medidas. Cobrava-se de Aécio algo que não existe em nossa vida política, a obrigação de se submeter a uma espécie de “dever partidário” (como se só houvesse uma interpretação do que é melhor para o PSDB!). Enquanto isso, se aceita que o governador de São Paulo fique à vontade para fazer como quer, o que equivale a relevá-lo de deveres para com seus correligionários e aliados.

O curioso é que toda essa pressão veio quando as pesquisas confirmaram o que já se sabia fazia tempo, que Dilma iria crescer e Serra cair, à medida que aumentasse o conhecimento de ela ser a candidata de Lula, assim se tornando a opção de quem está satisfeito com o governo e quer sua continuidade. Não se pode falar em emergência, em fato novo, quando acontece o previsto. Se não montaram sua estratégia eleitoral (incluindo a escolha do candidato) levando isso em conta, as oposições erraram.

Quem sabe, finalmente, foi aceita a realidade: Serra é o candidato e Aécio não vai ser vice. A menos que tudo que foi combinado seja revisto.

Agora, engraçado mesmo era achar que quem tinha que mudar era Aécio. Logo ele, que fez o que pôde para evitar que seu partido chegasse aonde está.

http://wwo.uai.com.br/EM/html/sessao_22/2010/03/07/interna_noticia,id_sessao=22&id_noticia=131176/interna_noticia.shtml

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