sábado, 27 de fevereiro de 2010

Universidade do ABC responde ao Estadão – por Luiz Carlos Azenha (Vi o mundo)

Por sugestão do leitor Rafael Vilela

Demagogia no ensino superior (04/05/2006)
Editorial do Estadão

Pródigo em iniciativas demagógicas, o senador Paulo Paim (PT-RS) conseguiu aprovar mais um projeto delirantemente demagógico na Comissão de Educação do Senado. A pretexto de facilitar o acesso à educação superior de estudantes pobres, o projeto obriga as universidades particulares a oferecer "vagas semigratuitas", por meio da concessão de bolsas a pelo menos 15% de seus alunos. Pela proposta, que foi votada em caráter terminativo, 5% dos estudantes com renda familiar per capita inferior a um salário mínimo e meio terão 80% de desconto no valor da mensalidade. Os demais 10% terão um desconto de 50%. Para compensar as escolas, o projeto as autoriza a promover um "pequeno aumento" na mensalidade dos 85% restantes dos alunos.

Segundo o parlamentar gaúcho, sua iniciativa foi concebida para "ajudar" o País a atingir a meta do Plano Nacional de Educação de ter 30% dos jovens entre 18 e 24 anos em cursos superiores até 2011. "Se não existem recursos financeiros federais e estaduais para a oferta de mais vagas gratuitas (nas universidades públicas), as instituições privadas precisam regular o preço de suas mensalidades de forma a não impedir que uma parcela dos alunos, mesmo minoritária, aprovada para seus cursos, fique excluída por não ter dinheiro para pagar seus estudos", diz Paim.

"O exercício da liberdade de iniciativa na oferta do ensino é limitado pelas condições sociais da clientela. Um pequeno aumento no preço da mensalidade da maioria, somado a uma limitação indolor nos lucros dos empresários, poderá beneficiar cerca de 400 mil estudantes", diz Paim, após lembrar que o projeto beneficia os alunos carentes, "ao invés (sic) de facilitar a prática de protecionismos e clientelismo em matéria de direitos sociais".

Como a maioria das instituições particulares de ensino superior hoje estaria com mais de 40% de suas vagas ociosas, explica o senador, elas poderiam destiná-las para a concessão dos descontos. "É como fazem as companhias aéreas, que têm vagas nos vôos e fazem promoções com preços mais baixos para preenchê-las". Os argumentos são de um primarismo que justificaria cassação de mandato por quebra de decoro. Além do mais, são falaciosos, uma vez que, como o senador está farto de saber, já existe um programa específico de bolsas patrocinado pelo governo federal, o "Universidade para Todos" (ProUni), que vem alcançando excelentes resultados. O ProUni começou a funcionar em janeiro do ano passado e, desde então, já possibilitou o acesso de milhares de jovens de baixa renda a cursos de graduação e cursos seqüenciais de formação específica, oferecendo incentivos fiscais às instituições de ensino que aderiram a ele.

Além disso, ao prever "um mecanismo automático de ampliação de gratuidade proporcional à expansão da atividade privada no ensino superior", o projeto interfere na autonomia administrativa e financeira das universidades particulares, ferindo a Constituição. "A proposta é irresponsável", afirma o vice-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior.

Falaciosa também é a afirmação de Paim, no sentido de que o aumento de custos que seu projeto acarretaria para as instituições privadas representa "uma limitação indolor" de seus lucros, não prejudicando "a rentabilidade dos investimentos". O parlamentar gaúcho se esquece de que muitas delas, pressionadas pelos altos índices de inadimplência e evasão escolar, já reduziram drasticamente o valor das suas mensalidades, nos dois últimos anos.

Portanto, ao obrigá-las a "conceder abatimento do valor contratual para prestação de serviços educacionais" e oferecer "vagas semigratuitas", o projeto pode pôr em risco o equilíbrio financeiro de muitas universidades privadas e confessionais. E quem mais sairá prejudicado com isso serão os próprios eventuais beneficiários do projeto. Isto porque, para sobreviver, muitas instituições não terão outra saída a não ser aumentar o número de alunos por classe e substituir professores com título de mestre e doutor por inexperientes bacharéis em início de carreira, comprometendo a qualidade do ensino, que já é baixa.

O projeto de Paim segue agora para a Câmara onde esperamos que os deputados lhe dêem o destino que merece: a lata do lixo.


As inaugurações de projetos (24/02/2010)
Editorial do Estadão

Ao discursar na cerimônia de sanção da lei que criou a Universidade Federal da Integração Latino-Americana, em janeiro, o ministro da Educação afirmou que o governo do presidente Lula está batendo o recorde no setor, tendo criado 13 instituições federais de ensino superior, em quase oito anos de gestão. O recorde anterior era do presidente Juscelino Kubitschek, que criou 10 universidades em um mandato de cinco anos. "O governo Lula é o que mais fez pela educação superior", disse o ministro Fernando Haddad, no evento convertido em mais um comício político em favor da candidatura da ministra Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto.

De lá para cá, o noticiário da imprensa sobre duas universidades federais mostra que tipo de instituições de ensino superior estão sendo erguidas pelo presidente "recordista".

A primeira é a Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha (UFVJ), em Minas Gerais. Lançada há três anos, com pompa e circunstância, até agora ela só tem dois dos dez prédios previstos. Apesar de até hoje não ter água, refeitório, biblioteca e professores suficientes e precisar suspender as aulas quando chove, há duas semanas Lula fez mais uma "inauguração" na UFVJ, lançando o campus avançado de Mucuri. Na ocasião, o único fato que fugiu do controle dos marqueteiros presidenciais foi o protesto dos estudantes, que acusaram Lula de inaugurar o que não existe. "Somos frutos de uma expansão sem qualidade e sem investimentos", disseram.

A segunda instituição com problemas semelhantes ao da UFVJ é a Universidade Federal do ABC (UFABC), criada em 2004 num dos principais redutos eleitorais do PT e que acabou sendo decisiva para que o partido reconquistasse a prefeitura do município de São Bernardo, o berço político de Lula. A universidade foi criada porque, para o governo, a região necessitava de uma instituição de ensino superior de ponta. Ou seja, uma universidade com "pedagogia inovadora", capaz de alargar as fronteiras do conhecimento científico e tecnológico com base num projeto de caráter interdisciplinar, que foi apresentado como "pioneiro", por conciliar "formação integral com visão histórica da civilização e inserção social no sentido amplo".

Na sua retórica eleitoral, o governo não faz por menos! Porém, o que foi prometido no palanque ainda está longe de ser entregue aos moradores do ABC. Quase seis anos depois, as obras em Santo André estão atrasadas, tendo sido inaugurado, até agora, um único prédio, como sempre, com discurso de Lula. Entre 2005 e 2009, o presidente já participou de cinco solenidades na instituição, sendo a última em agosto passado, quando lançou a "pedra fundamental" do campus de São Bernardo. Até hoje, a obra não passou disso.

O calendário escolar da UFABC vem sofrendo adiamentos e alguns cursos têm sido dados com base na improvisação, pois não estão conectados com a internet. Desde que começou a funcionar, há quatro anos, a instituição já teve quatro reitores, o que mostra a sua desorganização. Os problemas de gestão e logística são tão grandes que enorme quantidade de estudantes está abandonando a UFABC. Dos 4,5 mil alunos selecionados entre 2006 e 2009, apenas 2.617 permanecem frequentando as aulas. Nas três primeiras turmas de história, a taxa média de evasão foi de 42%, uma das mais altas do País.

O mais grave é que o maior número de desistentes é de estudantes "cotistas", para os quais é reservada metade das vagas nos vestibulares. Eles não tiveram o preparo suficiente para acompanhar os cursos. E, como a política de cotas é uma das bandeiras políticas mais vistosas do governo Lula, para tentar reter os cotistas a UFABC ampliou as bolsas de auxílio socioeconômico e para moradia. Cada uma garante R$ 300 ao aluno, ao todo, são cerca de 700 bolsas distribuídas atualmente. Ao ser empossado há três semanas, o novo reitor, Helio Waldman, prometeu reduzir a taxa de evasão para 10%, até 2014, mas não explicou como atingirá essa meta. "Há uma certa lentidão crônica, cuja origem não saberia reconhecer", diz ele.

A afirmação é exemplar, pois mostra o saldo das "inaugurações de projetos que continuam sendo projetos", ou seja, as pedras fundamentais e os esqueletos de obras que o presidente Lula inaugura com muito rojão e discurseira.


Universidade Federal do ABC - um projeto que já é realidade

No dia 5 de julho de 2006, ano de eleições presidenciais, o Estado de São Paulo publicou uma reportagem de título "Universidade do ABC fica no papel". Nela, os leitores do jornal eram informados de que as aulas teriam início "em um prédio improvisado, pois o terreno cedido pela prefeitura de Santo André para virar campus ainda funciona como garagem municipal."

Poucas semanas depois, no dia 14 de setembro do mesmo ano, o jornal publicou o editorial "Demagogia no ensino superior" em que, na mesma tecla, os leitores eram informados de que "a improvisação é tanta que a UFABC vem funcionando provisoriamente num prédio alugado."

Dois dias depois o jornal publicava a carta resposta do Reitor Hermano Tavares, a qual registrava que "Iniciar as atividades acadêmicas de uma instituição nova em instalações provisórias é simplesmente a melhor prática. Foi o que fizeram ITA e Unicamp, para citar apenas dois exemplos. Absurdo seria começar construindo o prédio."

Agora, em 2010, sintomaticamente mais um ano de eleições presidenciais, O Estado de São Paulo volta à carga contra a UFABC em editorial de 24 de fevereiro intitulado "As inaugurações de projetos".

Nele, sempre com a mesma obsessão centrada nos prédios, os leitores são informados de que "as obras em Santo André estão atrasadas, tendo sido inaugurado, até agora, um único prédio". Adiante, o mesmo editorial informa que a pedra fundamental do campus de São Bernardo do Campo foi lançada em agosto do ano passado, mas que "até hoje, a obra não passou disso.". Informa ainda que "a taxa média de evasão foi de 42%" e cita uma frase do Reitor Helio Waldman "Há uma certa lentidão crônica, cuja origem não saberia reconhecer", frase que o editorial associa ao problema da evasão e qualifica de "afirmação exemplar, pois mostra o saldo das inaugurações de projetos que continuam sendo projetos".

Com relação a cada um dos aspectos acima, cumpre registrar:

O "único prédio" a que se refere o editorial é uma torre de 11 andares que tem 14 mil metros de área construída. Com quase 90% das obras concluídas, o próximo bloco a ser entregue agregará ao campus mais 40 mil metros de área construída.

A afirmação de que a obra de São Bernardo do Campo nunca passou do lançamento da pedra fundamental é simplesmente falsa. As licitações de terraplenagem do terreno e da construção do "primeiro prédio" foram concluídas no 2º semestre de 2009, dentro do previsto, e as duas obras já foram iniciadas, como pode ser constatado por uma simples visita ao local.

A informação de que "a taxa média de evasão foi de 42%" parte de uma conta precária, para dizer o mínimo, como explica a carta do Reitor Helio Waldman publicada na mesma edição de 24 de fevereiro do referido jornal e ignorada pelo editorial.

Finalmente, a frase citada do Reitor é colocada completamente fora de contexto, já que ela foi pronunciada em referência às obras de Santo André. Não há nela, portanto, qualquer indício de concordância com a opinião de que a UFABC seja um "projeto que continua projeto".

E ilustramos, com brevidade:

Fosse apenas "um projeto que continua projeto", a UFABC não poderia registrar que com menos de três anos e meio de atividades ela já conta com mais de 400 docentes em regime de dedicação exclusiva, todos eles doutores - fato inédito no ensino superior público federal - que compõem um conjunto de jovens talentos com reconhecimento crescente no meio científico nacional a partir de conquistas como esta: em 2009, a UFABC foi a 3ª demandante de novos projetos de pesquisa junto à FAPESP, atrás apenas da USP e da Unicamp e à frente de todas as outras instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo.

Fosse apenas "um projeto que continua projeto", a UFABC não teria os 10 cursos de pós-graduação stricto sensu recomendados pela CAPES, sendo seis em nível de mestrado e quatro de doutorado, todos eles em pleno funcionamento, com cerca de 300 alunos regularmente matriculados e com 30 dissertações de mestrado já defendidas com sucesso.

Fosse ainda "um projeto que continua projeto" a UFABC não poderia registrar que conta com mais de 2.600 alunos de graduação que, até quatro anos atrás, não tinham onde fazer um curso público, gratuito e de qualidade. Ou que a eles se juntarão, nas próximas semanas, mais 1.700 jovens que conquistaram uma vaga em um processo seletivo de âmbito nacional, no qual o Bacharelado em Ciência e Tecnologia da UFABC, com quase 20 mil candidatos apenas na primeira etapa das inscrições, figurou em primeiro lugar na lista de procura dos estudantes que participaram do Sistema de Seleção Unificada do MEC.

A UFABC conta com um projeto pedagógico que é, de fato, ousado, pioneiro e inovador. Sua implantação vem sendo atentamente observada por educadores do Brasil todo, os quais acreditam que ele possa dar contribuição significativa ao ensino superior nacional. Tratá-lo com desdém e ironia, sem entrar no seu mérito, é miopia, como foi a posição adotada pelos que, nos anos 1950, não queriam a criação do ITA com base no famoso bordão "um país que não sabe fabricar bicicletas não pode se arvorar a ambição de fabricar aviões". Ou mesmo dos que, nos anos 1930, faziam restrições à criação da USP e sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, uma ousada inovação para o ambiente acanhado da época. Hoje, um ano de faturamento da Embraer corresponde a vários séculos de orçamento do ITA, e a USP figura entre as 200 melhores Universidades do mundo.

Os riscos em empreendimentos desse porte são consideráveis. Admitimos nossos problemas. Reconhecemos que algumas obras atrasaram, mas estamos lutando para concluí-las, em parceria e com o apoio do MEC. Cada nova turma de alunos da UFABC encontrou melhores instalações físicas do que a turma que a precedeu, tendência que será mantida neste e nos próximos anos. A evasão, também em parte decorrente do medo do novo, é um problema grande a ser combatido. Há que se registrar, todavia, que os indicadores apontam para sua queda.

A UFABC é uma instituição de ensino superior que pratica os melhores valores acadêmicos. Nesse contexto, estaremos sempre abertos ao diálogo e à crítica, inclusive a destrutiva, histérica, míope ou de mau gosto. Mas não podemos permanecer calados diante da crítica vilipendiosa.

Em 2006, o Estadão afirmou que a UFABC não sairia do papel, o que não era verdade. Em 2010, ele diz que a UFABC não passa de um projeto, o que não é verdade. Qual será a nossa maldição de 2014?

Helio Waldman
Reitor da Universidade Federal do ABC

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