quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A manipulação do clamor público - por Luis Nassif

É instrutivo comparar o comportamento da defesa de José Roberto Arruda com a defesa de Daniel Dantas, no pedido de habeas corpus.
O advogado é o mesmo Nélio Machado. O julgamento é no Supremo. Mas avalia-se que não se obterá, agora, o HC, devido ao “clamor público”. E, obviamente, da primeira decisão ter sido dada por um Ministro comprometido com a Justiça.
Ora, por que o tal “clamor público” não impediu o HC a Daniel Dantas – em circunstâncias idênticas? O que se entende por clamor público, por enquanto, é o que sai na mídia. E, na Operação Satiagraha, os jornalões – indo contra o seu estilo – substituíram o clamor do público por seu próprio clamor, orquestrado pela ação do presidente do STF Gilmar Mendes. Fabricaram um falso clamor e conseguiram, com isso, a pá de cal na credibilidade de uma mídia que já vinha sendo questionada por toda a blogosfera. E Gilmar manipulou o espírito corporativista do Supremo, amesquinhando-o com o devido apoio de Ministros sem respeito pela história do órgão.
Quem não se lembra do notável Nélio Machado, usando a visibilidade do STF para investir contra os blogueiros que denunciavam aquela trama? O homem justo, com a indignação típica dos virtuosos, sabendo que teria todo o apoio dos demais homens justos do país, conduzidos pelos virtuosos da Veja e da Folha, secundados pelo Estadão e Globo? Investiu porque sabia que toda a armação tinha sido desvendada graças ao novo jornalismo que se abrigou na Internet.
Não existe na moderna história da imprensa brasileira nenhum antecedente para o comportamento da mídia na Satiagraha. Em todos os episódios anteriores, ocorreu o oposto, até a condenação sem provas, tudo para satisfazer a sede de sangue dos leitores. Esses mesmos jornais e revistas que massacraram sem pena o japonês da Escola Base, os meninos do Bar Bodega, o Alceny Guerra, que deram abrigo para o Dossiê Cayman, que caçaram a sequestradora Vilma até debaixo do sofá, que aplaudiram a prisão de Chico Lopes e o sequestro do computador da sua filha adolescente, deram uma banana para todos seus leitores, comprometeram-se até a medula, para defender Daniel Dantas, o mais improvável dos inocentes, e condenar a Satiagraha.
Foi o mais desgastante episódio na vida da velha mídia brasileira, pior até que a demora em aderir às diretas. E qual o motivo? Jornalístico, não existia: seus leitores queriam que a Operação prosseguisse. Mesmo que Dantas fosse inocente (o que evidentemente não era) em qualquer outra circunstância – que não envolvesse interesses diretos da velha mídia – ele usaria o cadafalso para satisfazer os leitores. Defesa dos direitos individuais?, nem pensar. Jamais defenderam os que mereciam ser defendidos. Além disso, onde estaria o desrespeito, em uma operação que seguiu todos os trâmites legais, fora o show televisivo?
A razão é simples: medo pânico que a Operação, de algum modo, pudesse revelar os verdadeiros motivos para o jogo sórdido de defesa de Dantas – incluindo fuzilamento de reputações – que ocorreu no período anterior.
Agora as águas voltam ao leito do rio. Nos aquários e no Supremo, Varões de Plutarco ajeitam o cabelo, espanam a roupa, tiram da camisa as marcas do batom do corporativismo rasteiro ou da promiscuidade comercial (e nos IPOs) e entram na sala com o ar solene dos grandes defensores da moral e dos bons costumes… com todas as pessoas bem informadas do país sabendo onde estavam e o que fizeram na longa noite do crime.

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