sábado, 27 de fevereiro de 2010

Amarras e catalisadores – por Delfim Netto (CartaCapital)

Creio que poucas pessoas hoje no Brasil deixam de reconhecer que as medidas do governo Lula para neutralizar os efeitos da crise financeira mundial sobre a economia foram mais eficientes que na maioria dos países. A utilização inteligente da política fiscal permitiu reanimar rapidamente a produção industrial em setores-chave, dando sustentação aos níveis de emprego e renda. Foi o que encurtou significativamente o prazo da crise e resultou que os custos brasileiros foram menores do que os da França, Alemanha e Grã-Bretanha, como se pode concluir olhando pelo alto os números apontados num estudo do Banco da Inglaterra.

Esses resultados, conhecidos, funcionam como um poderoso estímulo para a retomada dos investimentos na produção, tanto de empresas do exterior como principalmente dos empresários nacionais. A situação da economia brasileira vem melhorando realmente e nos últimos meses a percepção lá fora é de que as perspectivas de crescimento para os próximos anos são reais e as oportunidades de negócios, muito importantes.

Não importa se algumas pessoas negam essa realidade, atribuindo o renascimento do interesse externo à militância diplomática do presidente Lula. Ele é um ótimo marqueteiro, mesmo, que soube fazer com que os estrangeiros olhem o Brasil com muito bons olhos.

Hoje, estou plenamente confiante de que o Brasil tem todas as condições para sustentar um crescimento anual de 6% a 7%, de forma a chegar lá pela metade do século XXI como um dos cinco países mais desenvolvidos do mundo, num sistema democrático politicamente organizado e com um mercado consumidor interno possante. Afastamos – com a realidade do pré-sal – a dupla ameaça de crises no balanço de pagamentos e no suprimento de energia. Estamos retomando as condições de ampliar a matriz energética limpa, com a superação dos obstáculos para a construção das hidrelétricas (inclusive na Região Amazônica) e com o desenvolvimento tecnológico que permite aumentar as formas de aproveitamento da biomassa na produção de energia e combustíveis renováveis.
Não estamos sozinhos no mundo e, obviamente, nossos concorrentes não vão ficar parados, assistindo o Brasil desfilar. Quando se fala em competir, a primeira coisa que vem à mente é a presença agressiva da China nos mercados mundiais, apoiada em políticas fiscal, cambial e tributária inteligentes, em métodos, digamos, heterodoxos e numa "agilidade" comercial desenvolvida há pelo menos 5 mil anos antes de Cabral nos encontrar.
O Brasil tem duas vantagens realmente importantes que são as autonomias alimentar e energética. A não ser em virtude de grandes saltos tecnológicos, a China não se libertará tão cedo dessas duas limitações.

Temos desvantagens (cuja superação depende apenas de um pouco de inteligência): política cambial desastrosa, carga tributária desnecessária e política de juros que transa com a teratologia. Precisamos enfrentá-las com as devidas cautelas, mas tem de ser a curto prazo. Se não o fizermos vamos destruir nossas cadeias produtivas (como já está acontecendo graças ao real- valorizado) e nunca chegaremos a ser um protagonista respeitado no comércio mundial.
Se considerarmos a competição ao nível do chão de fábrica, a produtividade brasileira é igual ou superior à chinesa. Um equipamento (bem de capital) produzido na China, porém, pode chegar ao Brasil a um preço 15% mais barato, porque ele é subsidiado com uma taxa de câmbio escandalosamente artificial e por instrumentos de crédito que nem sequer bem conhecemos, mas que na verdade são postos depois como prejuízo em bancos estatais. São procedimentos que podem ser usados para quaisquer produtos da indústria chinesa exportados inclusive para o Brasil.

Não é possível, então, continuarmos fingindo que existe uma competição honesta, conhecendo todas essas práticas. E, ainda, impondo à indústria brasileira taxas de juro abusivas, tributação duas vezes superior à chinesa e câmbio punitivo. Para completar, do portão da fábrica para fora, custos difíceis de orçar em razão do estado precário de nossa infraestrutura, que o PAC está tentando consertar.

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