quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A imaginária via oblíqua - por Wálter Fanganiello Maierovitch (Cartacapital)

Victor Hugo é o nome do delegado que não só recusou a fortuna que teria sido oferecida por Daniel Dantas, por interpostas pessoas, mas fez apreensões na residência do banqueiro e prendeu, recolhendo provas, os mandatários do consumado crime de corrupção ativa.

Apesar de boa parte da mídia usar a expressão tentativa de corrupção, o caso é de um consumado crime de natureza formal. O crime de corrupção ativa consuma-se quando o oferecimento de vantagem patrimonial indevida chega ao conhecimento do funcionário, independentemente de ele recusar o suborno.

Com efeito, coube ao delegado Victor Hugo recolher a informação de que Dantas não tinha um esquema corruptor na primeira instância Judiciária, mas apenas na Superior. No particular, o certo é que Dantas, no Tribunal Federal Regional e no Superior Tribunal de Justiça, só experimentou derrotas. Até agora, apenas obteve sucesso em duas liminares da lavra do ministro Gilmar Mendes, confirmadas pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Victor Hugo não é alvo preferencial dos ataques dos defensores contratados por Dantas, que, sob alegação de ilicitudes (sustentam que a prova do suborno virará pó), aproveitam-se para atacar, pesada e pessoalmente, autoridades diversas, da polícia à direção da agência de inteligência, do procurador Rodrigo de Grandis ao juiz Fausto De Sanctis.

Mais ainda, eles destilam peçonhas que lograram inocular no STF, em especial no seu presidente Gilmar Mendes. E alguns ministros demonstraram incontida irritação, excesso de linguagem, desejo de punir disciplinarmente magistrados inferiores jurisdicionalmente. Fora transformar o acessório em principal, contorceram-se para justificar o injustificável salto de entrâncias e o abandono à orientação de súmula da sua jurisprudência. Não bastasse, consagraram, por maioria, o corporativismo muscular, sustentado na força do poder, em vez de na supremacia do racional e do justo.

No fundo, e a maioria dos ministros não se apercebeu do que passaram à população: “absolveram” Gilmar Mendes a pretexto de julgamento dos habeas corpus de Dantas, tecnicamente com o exame prejudicado por impossibilidade de se apreciar pedido de soltura de quem já estava em liberdade e não era mais paciente de nada. Paciente, em habeas corpus, é quem sofre o constrangimento ilegal e abusivo.

Com relação a Victor Hugo, poucos atentaram para o que ele disse na reunião de 14 de julho deste ano e foi divulgado há pouco. Nesse dia, Victor Hugo acompanhou o delegado Protógenes Queiroz, com o qual trabalhou na Operação Satiagraha, à reunião com integrantes da cúpula da Polícia Federal. Estes, encarregados de remover Protógenes e vazar, com base em trechos pinçados da gravada reunião, uma falsa versão sobre o afastamento. Aliás, foi o que fizeram, como fartamente noticiado.

A gravação da supracitada reunião, de quase três horas de duração, revela ter o juiz De Sanctis frisado que não acolheria nenhuma representação policial acerca da prisão preventiva de Dantas que não viesse fundada e acompanhada de prova nova. Isto é, em elementos não conhecidos por ele, juiz, por ocasião da decretação da prisão cautelar temporária.

Observe-se que a reunião ocorreu em 14 de julho e no dia 11 do mesmo mês o ministro Mendes já concedera a segunda liminar para a soltura de Dantas.

Numa passagem desse encontro gravado, o delegado Victor Hugo, referindo-se ao delegado Protógenes e ao dia 8 de julho, pós-decretação da prisão temporária, conta: “Eu falei (referia-se a Protógenes): então nós temos de correr para pedir a preventiva, porque essa temporária vai ser quebrada amanhã (9 de julho). Deixa eu correr lá na Superintendência, porque é um trabalho que eu sei fazer. Eu faço um auto de deslacração do material apreendido na casa do Dantas em busca de elemento que possa fundamentar um pedido de reconsideração da prisão preventiva”.

Outra passagem foi, também, significativa, sempre na voz do delegado Victor Hugo: “Viemos aqui (referência à repartição policial) e comecei a analisar as provas. Encontrei alguns documentos que complicavam ele (menção a Dantas), tirei foto com o celular, tudo na correria, e relacramos os autos. Fui terminar o pedido de reconsideração em torno de 21h30”. Essas provas levaram o procurador De Grandis e o juiz De Sanctis a acolher a representação policial e foi decretada a prisão preventiva de Dantas. Aliás, tais provas foram minuciosa e criteriosamente destacadas no voto do ministro Marco Aurélio, do STF. Estranhamente, elas acabaram ignoradas no voto do relator Eros Grau, a ponto de esse ministro não fazer nenhuma referência à existência delas. O conteúdo da gravação, em resumo, aponta para a busca e o encontro de provas, todas diversas das existentes até então.

Na longa, respeitosa e exaustiva decisão de decretação da preventiva por parte do juiz De Sanctis, como diversas vezes observou o ministro Marco Aurélio Mello, provas serviram para motivar a imposição da prisão preventiva. Em outras palavras, elas causaram a decretação, sustentada em razões completamente diferentes da empregada para a imposição da prisão temporária.

Nota-se, analisada essa parte da gravação, o erro da maioria dos julgadores do STF, a começar pela segunda liminar do ministro Mendes e a passar pelo pitoresco voto do ministro Eros Grau, que descarrilou como vagão da Companhia do Metrô. Houve erro ao se concluir – com total desprezo à prova nova e olvido à motivação utilizada pelo juiz De Sanctis – que a decretação da prisão preventiva de Dantas representou uma ilegal burla. Esta, caracterizada pelo emprego de uma via oblíqua para se manter a prisão do banqueiro, descumprindo-se a liminar de Mendes.

A via oblíqua nunca foi cogitada e nem sequer trilhada. E a prisão preventiva não foi em desrespeito ao STF, que se sentiu ofendido na pessoa do seu presidente, Gilmar Mendes, autor das canhestras liminares conferidas diante de massacrante prova de corrupção (materialidade), de indícios de autoria com lastro de suficiente e de comprovação da necessidade da custódia de quem mostrava disposição a continuar a subornar, esconder a verdade e poluir provas.

A exagerada suscetibilidade de ministros levou à equivocada conclusão majoritária de que a prisão preventiva representava um desrespeito à autoridade da Corte.

O certo é que jamais, na história do STF, se percebeu, por parte dos juízes, um distanciamento e desconsideração ao órgão de cúpula do Judiciário, exceção, evidentemente, aos de mãos de veludo e aos carreiristas prontos a mexericos. Seguramente, contribuem para isso, além do inusitado e imprevisível comportamento do presidente do STF, a troca de insultos entre ministros, o arvorar-se a legisladores e, até, o desrespeito às partes, com dois ministros a trocar “gracinhas” por mídia eletrônica, sem dar atenção à sustentação oral de advogado.

O quadro judiciário nunca esteve tão sombrio e muitos ministros trilham a via oblíqua que conduz ao descrédito e ao encastelamento.

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