sábado, 1 de novembro de 2008

Será que a geração-internet vai vencer a primeira? - por Luiz Carlos Azenha

Uma das coisas que mais me divertiram durante os vinte anos em que vivi nos Estados Unidos foi observar os chutes dados por "jornalistas", "analistas" e "comentaristas" brasileiros a respeito de lá. Eu, que conheço 45 dos 50 estados do país, nunca me canso de apreciar como essa gente é capaz de opiniões "definitivas" só de ouvir dizer. Um espetáculo.

Fiquei aguardando uma análise razoável sobre as eleições americanas na Globo, na Folha ou no Estadão. E nada. Por isso me atrevo a dar o meu pitaco.

Começo destacando que os Estados Unidos são um país complexo, com um sistema eleitoral complexo. Tem gente que diz, orgulhosamente, que o sistema eleitoral brasileiro é "moderno" e o americano é "atrasado". Não é bem assim. O sistema eleitoral brasileiro é espelho de nossa organização política eminentemente federativa e centralizadora. O sistema eleitoral americano é estadualizado. Não existe Justiça Eleitoral nos Estados Unidos. As eleições federais são organizadas pelos estados e cabem recursos à Justiça comum.

No sistema eleitoral brasileiro os mesmos órgãos que organizam as eleições decidem sobre os recursos de eleitores e candidatos (TREs e TSE). E a urna eletrônica brasileira não emite um comprovante que permita uma auditoria imediata. São dois defeitos graves que só serão encarados, no Brasil, depois de uma grande fraude. Como sempre, a gente espera arrombar a porta para depois aperfeiçoar o sistema.

Nos Estados Unidos, a complexidade do sistema -- diversas regras, diversas formas de votação -- muitas vezes atrasa a própria eleição e a contagem, mas um sistema estadualizado impede uma fraude em nível nacional. No Oregon 100% dos eleitores votam pelo correio. Já em estados como a Flórida e Ohio houve denúncias fartamente documentadas de fraude nas eleições de 2000 e 2004.

Uma eleição como a dos Estados Unidos, estadualizada, aumenta o peso relativo de populações minoritárias dentro dos estados. A comunidade judaica da Flórida, por exemplo, tem um peso relativo muito maior do que sua presença numérica. E em eleições equilibradas um bloco sólido de eleitores pode ser o fiel da balança.

O bloco de eleitores mais relevante hoje em dia, nos Estados Unidos, é o de hispânicos. Eles representam 31% dos eleitores registrados no Novo México, 13% em Nevada, 11% na Flórida e 8% no Colorado. É óbvio que nem todos os hispânicos votam igual, mas se um candidato consegue ampla maioria entre eles tem uma vantagem considerável.

Apesar da eleição presidencial americana ser estadualizada, o campo de disputa se dá em um território relativamente pequeno. O Sul é republicano. O Texas é republicano. Nova York e Califórnia são majoritariamente democratas.

Por isso a disputa se concentra em alguns estados do Oeste, no Meio Oeste, na Virgínia, Pensilvânia e Flórida. O resto é pura figuração.

No Oeste a briga principal acontece em Nevada e no Colorado. Dois estados com grande presença de eleitores hispânicos. Estados que passaram por grandes mudanças demográficas recentes, com o êxodo de californianos em busca de melhor qualidade de vida em estados vizinhos. A chegada de novos profissionais e indústrias mudou esses estados. Eram mais rurais e conservadores no passado. Podem entrar este ano na coluna do Partido Democrata para ficar.

Em seguida vamos para o Meio Oeste. É onde a briga realmente vai acontecer. É a região mais deprimida economicamente do país. A região agrícola e industrial. Uma região conservadora. Barack Obama, que é de Illinois, vence fácil em seu próprio estado. Mas em Missouri e Ohio a briga vai ser boa. Aqui existe uma clara diferença entre os eleitores da zona rural e os da zona urbana. Os democratas ganham nas cidades maiores, mas perdem nas menores. A conversa mole de que Obama é "socialista" funciona.

No Meio Oeste e na Pensilvânia existe um cinturão de eleitores brancos de classe média baixa enamorados do discurso nacionalista e patriótico de John McCain. São ou foram operários no cinturão industrial decadente dos Estados Unidos.

Na Virgínia, como no Colorado, houve um grande influxo de novos profissionais ligados ao setor terciário da economia. Uma oportunidade para Barack Obama.

Na Flórida, onde muita gente perdeu o imóvel na crise das hipotecas, as dificuldades econômicas também aumentaram a possibilidade de vitória de Obama. E há um novo eleitorado hispânico, para além das múmias anti-castristas que sempre controlaram um bloco sólido de eleitores.

É óbvio que trata-se de um quadro eleitoral complexo, difícil de resumir numa manchete. Mas se vocês quiserem uma definição mais "arredondada" do que está acontecendo nos Estados Unidos eu os autorizo a dizer que Barack Obama, 47 anos de idade, representa o "novo", inclusive no apelo que ele faz aos eleitores da geração milenarista, pós-internet, mensagem de texto e celular. Obama representa a "nova economia" de estados como o Colorado e a Virgínia, corredores de desenvolvimento que provocaram mudanças econômicas, demográficas e políticas. A mensagem de tolerância em relação aos imigrantes ilegais e pós-Fidel Castro também ajudou Obama com os hispânicos.

John McCain, de 72 anos de idade, representa os Estados Unidos cristão, branco, rural e tradicional. Não só, mas principalmente. O que pode acontecer na próxima terça-feira é a transferência de bastão da geração pré-internet para a geração pós-internet, da geração do segregacionismo para aquela que cresceu com brancos, negros, amarelos e azuis na sala-de-aula, da geração das grandes batalhas ideológicas dos anos 60 para a geração pragmática e progressista do novo milênio.

Ai que preguiça dessa velharia: Folha=Estadão=Jabor=Naftalina=Pentes Flamingo=José Serra=Mainardi=Leitão=McCain

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