segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A "Força Serra Presidente" e o seu novo cabo eleitoral - por Saul Leblon (Agência Cartamaior)

Mentes maliciosas enxergam aqui e ali, nas obstruções dos ex-filiados do PFL (demos) e da aguerrida bancada tucana às medidas tomadas pelo governo para defender a economia da crise, sinais de uma ansiedade pouco composta. O fenômeno não se restringiria às lides legislativas. Seus tentáculos teriam alcançado desde já as páginas da mídia, derramando-se em manchetes de alguns jornais.
Saul Leblon

Mentes maliciosas enxergam aqui e ali, nas obstruções dos ex-filiados do PFL (demos) e da aguerrida bancada tucana às medidas tomadas pelo governo para defender a economia da crise, sinais de uma ansiedade pouco composta. Anseios incontidos, dizem os maliciosos que juram ver um fio da “baba plástica e bovina” - nelsonrodriguiana - pendente nos lábios de um Agripino, um Paulo Renato, um FHC, enfim, de todos aqueles entregues ao lúbrico exercício de seduzir a dama da recessão nos últimos dias. Pretenderiam nesse intercurso ganhar a fidelidade da poderosa cabo eleitoral, para uma aliança devastadora com a hecatombe planetária; arma derradeira capaz de esfarelar o governo Lula e derrotá-lo em 2010 – se possível até antes.
O fenômeno, sempre de acordo com essas mentes envenenadas, não se restringiria às lides legislativas. Seus tentáculos teriam alcançado desde já as páginas da mídia, derramando-se em manchetes de alguns jornais que parecem incorporar Nouriel Roubini (o senhor Catástrofe) na escolha das palavras e dosagem do que vêem. Com uma diferença importante, o economista de origem egípcia acertou todas as advertências que vem fazendo desde 2007, como admite agora até o arqui-liberal Martin Wolf, do Financial Times. Roubini de fato trabalha com números e análises colhidos por sua disputada consultoria RGE, enquanto os jornais no afã de comprovar o dilúvio inevitável, destratam fatos e vão além, ao desqualificar até mesmo o trabalho imediato dos próprios repórteres.
Dois casos ilustrativos, quase pedagógicos, de um certo "vamos lá, agora Lula se estrepa e a gente elege o Serra", observados na edição de 30/10, no caderno de Economia do jornal FSP (não confundir com Força Serra Presidente), parecem dar razão às mentes maliciosas. Na prova do pudim elas não parecem persecutórias, mas argutas.
Caso 01
Manchete de página inteira da FSP edição de 30/10 (pág B19):
"Índice de confiança da Indústria despenca"
Fatos:
a) "Não há menor sinal de recessão, e sim de desaceleração" , diz no texto o coordenador do Núcleo de Pesquisas e Análises da FGV, Aloísio Campelo Junior. Não, não se trata de uma meta-reportagem sobre esquizofrenia midiática. O assunto é o mesmo tratado na manchete: a queda no Índice de Confiança da Indústria, um dos indicadores da sondagem periódica realizada pela FGV para avaliar perspectivas do setor.
b) de fato, o indicador de confiança colhido em setembro pela pesquisa (106,1), registra queda de 11,7% em relação ao mês anterior, porém (aspas para a matéria): "ainda se mantém acima da média histórica para o dado, que está próximo dos 100 pontos".
Resumo: “não é recessão, é desaceleração” e “se mantém acima da média histórica”. Será o termo “despenca”, em manchete pânica, o mais adequado para retratar esse movimento?
Passemos.
Caso 02
Manchete de página inteira da FSP edição 30/10 (pág. B15)
"Diminuem as vendas em supermercados"
Fatos:
a) o próprio "olho" da matéria neste caso argüi a pertinência do título : "queda é de 5,6% em setembro em relação a agosto; sobre setembro de 2007, houve aumento de 5,5%".
Pergunta-se então, qual o critério para não inverter a manchete se as duas grandezas são praticamente idênticas, com sinais trocados?
Adiante.
b)Vamos ao que dizem os entrevistados normalmente ouvidos pelos jornalistas para dar consistência à reportagem e à edição do tema pautado. Com a palavra o presidente da Associação Brasileira de Supermercados, Sussumu Honda:
"Setembro foi um bom mês para o setor, já que houve crescimento sobre 2007” ; (com relação a outubro) “o que se percebe é que o consumidor está bem mais cauteloso". Importante: ele falou à própria FSP na matéria referida.
Adelante.
c) mais um trecho da mesma matéria assinada pela repórter Fátima Fernandes:
"...A queda nas vendas em setembro, além de ser sazonal, ocorreu porque, em agosto, houve queda nos preços de alguns alimentos, o que resultou em alta do consumo naquele mês"
d) mais uma informação ignorada olimpicamente pelo editor da manchete: " De janeiro a setembro as vendas do setor cresceram 8,9% sobre igual período do ano passado".
E para arrematar, a criteriosa repórter fecha seu texto com um dado importante:
e) o presidente da ABRAS prevê que o incentivo da queda de preços deve retornar em outubro, porque "os alimentos foram os vilões da inflação, mas acredito que, a partir de agora, virá um processo de estabilidade. Os preços das commodities já estão em queda lá fora".
Como explicar, então, o incêndio que campeia página a página, manchete a manchete, sem trégua, sem alívio, sem respiro para aqueles que (a maioria?) passam os olhos pelas labaredas e saem em desespero a buscar um extintor capaz de salvar a própria pele já que a do Brasil, ah o Brasil -- esse o governo petista entregou de vez...
Mas calma, um segundo. Quem foi que disse que a FSP não cumpre o manual oferecendo um noticioso eqüidistante para quem, de fato, quiser formar sua própria opinião? Um exemplo?
Vamos lá.
Quem tiver força de vontade, sobreviver à sucessão de colapsos econômicos iminentes estampados numa série de tirar o fôlego, de repente encontrará no caderno de Economia da FSP (de novo, não é Fazer Serra Presidente; é F-o-l-h-a d-e S-ã-o P-a-u-lo) um oásis de esperança. Fica ali na mesma pág B19, aquela na qual a manchete enterra as expectativas empresariais na cova mais funda da depressão econômica e psíquica.
Diz o texto-abrigo-anti-aéreo: "Desemprego em setembro é o menor em 12 anos, em SP". Ufa!
Finalmente, algum chão firme. Um interregno antes da decomposição irreversível de toda estrutura econômica montada nos últimos anos e que não foi capaz de prever tudo isso que está acontecendo. Sem dúvida, um bálsamo de isenção informativa; um grande jornal moderno, isento, jovem, não poderia fazer diferente. É, mas atenção, o refresco só é acessível aos mais teimosos, os desconfiados e muito, muiiiito atentos. A materinha, em questão, tem apenas duas colunas. Fica acuada ali, bem embaixo da depressão empresarial, aquela que a julgar pela manchete nem quantidades industriais de Prozac fará amenizar. Também, grande coisa, uma taxa de desemprego baixa, como é? E daí, o Brasil vai acabar mesmo...
A menor dos últimos 12 anos?
Ah, se isso fosse mesmo importante o jornal (FSP...) daria uma baita manchete, não uma nota no pé de página, e que página...
Para quem considera essa uma leitura encharcada de má vontade com a FSP (lembre-se, a sigla representa o nome de um jornal isento...), vamos recorrer à avaliação eqüidistante de quem é pago pelo próprio jornal para comentar a qualidade do que se publica ali. OK, digamos que seja um tropeço da editoria de Economia. Um caso isolado. Muito bem. Então tomemos o pulso da cobertura feita pelo jornal em relação a um outro episódio, de outra área, mas de importância igualmente indiscutível para a sucessão de 2010.
Com a palavra Carlos Eduardo Lins e Silva, ombudsman da FSP (não, não é Força Serra Presidente), numa citação já publicada anteriormente na página de CM:
"Marta Suplicy recebeu nestes cinco dias uma carga de matérias negativas absolutamente desproporcional em relação a seu adversário. Por exemplo, foi alvo de cinco textos opinativos críticos; Kassab de nenhum. Ele (o jornal Folha de São Paulo) nunca deveria se prestar ao trabalho sujo que outros veículos fazem com muito prazer e competência."
(Carlos Eduardo Lins e Silva, Ombudsman da Folha de São Paulo, 19/10)

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