sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Palin: a mulher errada, a mensagem errada - por Gloria Steinem (Los Angeles Times)

Aqui está a notícia boa: as mulheres se tornaram politicamente tão poderosas que mesmo a direita anti-feminista -- os caras que tomaram conta do Partido Republicano -- estão tentando atraí-las com a primeira mulher vice presidente. Devemos isso às mulheres -- e muitos homens, também -- que fizeram piquetes, greve de fome e enfrentaram violência nas urnas para que as mulheres pudessem votar. Devemos à Shirley Chislom, que primeiro arrancou a placa "só homem branco" da Casa Branca, e à Hillary Rodham Clinton, que manteve a luta apesar de ridicularizada e da misoginia e obteve 18 milhões de votos.

Mas aqui está a notícia melhor: não vai funcionar. Não é a primeira vez que um chefe escolhe uma mulher não qualificada só porque ela concorda com ele e se opõe a tudo o que as mulheres querem e precisam. Feminismo nunca foi para arrumar emprego para uma mulher. Tem o objetivo de tornar a vida mais justa para as mulheres em todo lugar. Não é a briga por um pedaço de torta; há muitas de nós para isso. É sobre fazer uma nova torta.

Escolher Sarah Palin, que foi promovida durante todo o verão por Rush Limbaugh, não é a forma de atrair as mulheres, inclusive as fãs mais ardentes de Clinton. Palin só tem um cromossomo em comum com Clinton. O discurso divisivo e enganoso não fez nada para maquiar que a Convenção Republicana tem duas vezes mais delegados do que delegadas, um candidato presidencial que é possuído e manipulado pela direita e uma plataforma que se opõe a quase tudo o que a candidatura de Clinton era a favor -- que conta com o apoio de Barack Obama. Votar em protesto para McCain-Palin seria o mesmo que dizer: "Alguém roubou meus sapatos, sendo assim vou amputar minhas pernas".

Não estou batendo na Palin. Defendo o direito dela de estar errada, mesmo nas questões mais importantes para mim. Lamento que haja gente que diga que ela não dará conta do trabalho por causa dos filhos que precisam de cuidados, especialmente se essas pessoas não dizem o mesmo a respeito de um pai. Não tenho prazer de imaginá-la cobrada sobre questões políticas nacionais e internacionais nas quais não tem experiência, com um mês para aprender e competir com os 37 anos de experiência do senador Joe Biden.

Palin tem sido honesta sobre o que ela não sabe. Quando perguntaram a ela há um mês sobre a vice-presidência ela disse: "Ainda não posso responder até que alguém me responda: o que faz um vice-presidente exatamente, todos os dias?" Quando perguntaram a ela sobre o Iraque ela disse "ainda não me concentrei muito na guerra do Iraque".

Ela foi eleita governadora principalmente por causa da impopularidade do adversário e conquistou a maioria dos votos ao usar a riqueza do petróleo para dar um desconto de 1.200 dólares nos impostos de cada residente. Agora ela é elogiada por McCain como cortadora de impostos, apesar do fato de que no Alasca não há impostos estaduais ou ICMS. Ou McCain talvez esteja seguindo o hábito do governo Bush que, no Departamento de Justiça, colocou a visão dos candidatos sobre "Deus, armas e gays" adiante da competência. A diferença é que McCain está dando um emprego que está a uma batida de coração -- de 72 anos de idade -- da presidência.


Sejamos claros: o culpado é John McCain. Ele pode ter escolhido Palin com inveja da proposta de mudança ou a crença de que as mulheres não conseguem distingüir a diferença entre forma e conteúdo, mas o motivo principal foi para agradar aos ideólogos da extrema-direita; os mesmos que vetam qualquer um que não apóie a liberdade de reprodução. Se não fosse esse o caso, McCain teria escolhido uma mulher que sabe o que o vice-presidente faz e que pensou sobre o Iraque; alguém como a senadora Kay Bailey Hutchison, do Texas, ou a senadora Olympia Snowe, do Maine. McCain poderia ter dado um passo de bebê que fosse para se distanciar dos patriarcas da extrema-direita que determinam as ações dele, como a de se opor à Lei da Violência contra as Mulheres.

O valor de Palin para os patriarcas é claro: ela se opõe a praticamente todas as posições que as mulheres apóiam por maioria ou pluralidade. Ela acredita que o criacionismo deve ser ensinado em escolas públicas mas não acredita no aquecimento global; ela se opõe ao controle das armas mas apóia o controle do governo sobre o útero das mulheres; ela se opõe às pesquisas com células-tronco mas aprova os programas exclusivos de abstinência sexual, que resultam em aumento de crianças indesejadas, doenças sexualmente transmissíveis e abortos; ela tentou usar milhões do contribuinte para apoiar um programa estadual que mata lobos mas não gastou o suficiente para melhorar um sistema escolar que tem as piores notas da nação; ela forma chapa com um candidato que se opõe à Lei do Pagamento Justo mas que apóia dar 500 milhões de dólares de subsídios para fazer um gasoduto que atravessa o Alasca; ela apóia procurar petróleo na Reserva Nacional do Ártico, embora McCain tenha optado pelo menos ruim, buscar petróleo na costa. Ela é uma Phyllis Schlafly mais jovem.

Não coloco em dúvida a sinceridade dela. Como integrante da Associação Nacional dos Rifles ela não apóia apenas matar animais de helicópteros, ela mesma faz isso. Ela não apenas fala sobre aumentar o uso de combustíves fósseis mas coloca uma usina que queima carvão em sua pequena cidade de origem. Ela não apenas faz eco a McCain ao prometer criminalizar o aborto e derrubar a decisão da Suprema Corte que o sustenta; diz que se uma filha dela fosse engravidada por estupro ou incesto, teria o filho. Ela não apenas se opõe à liberdade de reprodução como um direito humano mas sugere que essa liberdade obriga ao aborto, quando também protege o direito de ter uma criança.

Até agora o grande apoio obtido por Palin é o de James Dobson, do grupo Foco em Família. Naturalmente. Para Dobson, "mulheres estão apenas esperando que seus maridos assumam a liderança", de maneira que o voto dele será para o marido de Palin.

Sendo uma esperançosa, no entanto, posso ver duas vantagens nessa disputa.

Os republicanos poderão aprender que não podem apelar ao mesmo tempo para os patriarcas da direita e a maioria das mulheres. Uma perda em novembro poderia fazer a maioria centrista dos republicanos retomar o controle do partido, que foi o primeiro a apoiar a Emenda dos Direitos Iguais e deveria ser o último a convidar o governo a entrar no útero das mulheres.

E as mulheres americanas, que sofrem mais por terem dois trabalhos em horário integral do que por qualquer outra injustiça, finalmente podem obter apoio nacional de líderes -- homens -- que sabem que as mulheres não podem ser iguais fora de casa enquanto os homens não foram iguais dentro. Barack Obama e Joe Biden fazem campanha na crença de que os homens deveriam estar, podem estar e querem estar em casa para os seus filhos.

Isso será muito importante

Gloria Steinem is an author, feminist organizer and co-founder of the Women's Media Center. She supported Hillary Clinton and is now supporting Barack Obama

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