domingo, 21 de setembro de 2008

O enterro do neoliberalismo - por Luiz Carlos Bresser-Pereira (JB)

A atual crise financeira mundial é reconhecidamente a mais grave que a economia enfrenta desde 1929, que teve origem nos Estados Unidos e está atingindo fundamentalmente os países ricos. É diferente de uma crise também muito importante, a da dívida externa, nos anos 80, que atingiu os países em desenvolvimento, e particularmente a América Latina. Tinha também, como a atual, origem na irresponsabilidade dos grandes bancos internacionais na oferta de créditos. Neste caso, era crédito para nós. De forma que fomos nós, afinal, os países em desenvolvimento, que pagamos todo o custo da crise. Na situação atual, não. É muito diferente, porque os países em desenvolvimento estão crescendo muito fortemente, com suas finanças mais seguras do que as dos países ricos.

Dentro dessa crise, uma coisa importante é a atuação do governo americano. Ele vem agindo com grande firmeza ao expandir o crédito, de um lado, como faz o Fed, o banco central deles e, de outro, salvando empresas que estão ameaçadas. Isto também é muito importante porque a falência de grandes bancos traz uma insegurança muito grande para a economia, e pode levá-la a um risco sistêmico.

Ideologia neoliberal sepultada

Ao adotar esta política, o governo americano está sepultando não apenas a ideologia neoliberal, dominante nos anos 80, 90 e início da década atual. A política que está sendo adotada pelo governo americano é uma política keynesiana, a alternativa a essa teoria neoclássica ou monetarista, que nunca foi adotada na verdade. Ela se tornou dominante nas universidades, no discurso dos políticos e dos empresários. Mas o curioso é que a prática dela nos Estados Unidos sempre foi mínima. Só aconteceu para uso externo, através do Fundo Monetário Internacional, para aqueles países que ficaram fragilizados pela crise da dívida externa nos anos 80. E deixa evidente o aprofundamento da crise da teoria monetarista. Isto porque o governo americano está agindo de forma keynesiana, ao invés de seguir a doutrina ortodoxa. Se não fosse esta ação forte do governo americano, estaríamos no meio de uma crise muito mais grave.

Intervenção preocupante

Entretanto, na última semana, houve um problema, uma mudança de política por parte do governo americano, que é preocupante. O tesouro americano resolveu não salvar o Lehman Brothers, o grande banco de investimento. Fez isso respondendo ainda aos restos de neoliberalismo que existem fortemente na sociedade americana. Eles afirmam que intervir nessas horas significa um moral hazard, o que quer dizer, fundamentalmente, que os agentes financeiros fazem empréstimos irresponsáveis, muito arriscados, mas com belas taxas de juros, contando com o salvamento do governo em caso de insucesso.

Teoria equivocada

Esta é uma teoria equivocada, a meu ver: nenhum grande banco vai agir de forma irresponsável contando com o salvamento posterior. Eles agem procurando o lucro maior, dentro das regras da economia de mercado. Neste momento, teria sido muito importante que o governo americano tivesse salvado o Lehman Brothers.

Ao deixar de salvar uma empresa, o governo cria uma insegurança muito grande em todo o sistema financeiro. Uma crise dessas tem uma base real, que é a incapacidade dos mutuários de hipotecas de casas de classe média nos EUA de pagarem suas dívidas. Mas tem outra base, também muito importante, que é a expectativa e o grau de confiança de todo o sistema. Isto é que foi abalado por essa mudança de política. É verdade que, no dia seguinte, o governo americano repensou o problema, e, quando a AIG entrou em crise, resolveu salvá-la. E isto é bom.

Brasil sente efeitos

Neste quadro de crise, os países em desenvolvimento, de um modo geral, e principalmente a China, são o fator de maior de segurança no sistema. Mas o fato é que o Brasil já é atingido pela crise, porque os preços das commodities, que o Brasil exporta, já caíram. Esta queda vai significar redução das exportações brasileiras no ano que vem, não em termos de volume, mas de valor.

Além disso, temos também uma queda muito grande na bolsa de valores, o que significa que o financiamento das empresas brasileiras, que vinha sendo feito através do mercado de capitais, com grande eficiência, nos últimos três anos, vai ser drasticamente reduzido, e teremos que contar mais com o BNDES para apoiar os investimentos.

Outra conseqüência da crise sobre o Brasil, entretanto, é positiva, e consiste na depreciação da moeda. Nossa taxa de câmbio se apreciou enormemente nos últimos anos. Mas nenhum país é capaz de desenvolver-se se não tiver uma taxa de câmbio competitiva, isto é, uma taxa que torne economicamente viáveis atividades econômicas que usem tecnologias competitivas a nível internacional. Com uma taxa de câmbio de até R$ 1,80, muitas indústrias não conseguem exportar. Mantêm-se vivas porque há pequenas taxas de importação que protegem a indústria nacional.

A questão que se coloca agora é se esses efeitos são graves o suficiente para levar a própria economia brasileira à crise. Não creio. Também não acho que haverá problemas maiores com as economias da Rússia, da China e da Índia. Estes quatro países estão bem, mas vai haver uma redução de crescimento no ano que vem. Vamos crescer talvez um pouco menos de 4%. É difícil precisar quanto, mas será menos do que neste ano.

Manter taxa de juros

Para evitar efeitos negativos maiores, o fundamental é não continuar aumentando a taxa de juros e, na primeira oportunidade, voltar a baixá-los, sem ficar com medo da pequena inflação que pode resultar dessa depreciação modesta, que já aconteceu. Uma troca que definitivamente não devemos fazer é aumentar os juros a cada aumento da depreciação. Isto seria um erro muito grave, que tornaria mais vulnerável a economia brasileira.

Neste quadro, um país em desenvolvimento como o Brasil está sólido porque não está endividado externamente. A dívida externa baixou substancialmente nos últimos anos, mas já temos um déficit em conta corrente devido à taxa de câmbio ainda muito valorizada e, se aumentar, imediatamente haverá fragilidade financeira. Em outras ocasiões, déficits em conta corrente até maiores podiam ser aceitos pelo sistema financeiro internacional, mas hoje, neste quadro de instabilidade, os países que tiverem déficits grandes vão ter sérios problemas. É isto que o Brasil deve evitar, através de sua política, para preservar o crescimento do país.

Luiz Carlos Bresser-Pereira é economista, professor emérito da fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da fazenda

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