domingo, 21 de setembro de 2008

Sete Dias - por Augusto Nunes (JB)

Jobim, o ultrapolivalente – De general da selva a controlador geral da imprensa brasileira

Em outubro de 2003, o país foi confrontado com a anatomia de uma delinqüência que, praticada 15 anos antes pelo deputado constituinte Nelson Jobim, assumiu dimensões bem mais perturbadoras ao ser revelada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim. Com a naturalidade de quem está explicando por que prefere chimarrão a café, o parlamentar gaúcho encarregado de redigir o texto definitivo da Constituição de 1988 confessou ter infiltrado dois artigos que não foram sequer examinados pelo plenário.

Se o país tivesse juízo, a reação indignada generalizada obrigaria Jobim a devolver a toga, identificar os textos contrabandeados, pedir perdão ao povo em geral e a seus eleitores em particular, voltar aos pampas e ali esperar a intimação judicial. Mas o Brasil não faz sentido.

Como pôde ter sido ministro da Justiça quem faz uma coisa dessas?, berrariam milhões de suecos. Como pode alguém assim ser vice-presidente do tribunal que decide o que é ou não constitucional?, urrariam incontáveis finlandeses. Os balidos franzinos do rebanho confirmaram que o Brasil é o único país com hímen complacente.

Três dias depois de se tornar réu confesso, Jobim voltou espontaneamente ao tema, para explicar que não agira sozinho. As infiltrações ilegais, esclareceu, haviam sido encomendadas pelo deputado Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte morto no começo dos anos 90.

Ulysses não pôde comentar a versão que o reduziu a mandante do crime de falsificação de documento público. Sem testemunhas por perto, Jobim seguiu adiante. Instalado pouco depois na presidência do STF, cuidou com muito zelo do escândalo do mensalão, virou amigo de Lula e, logo, ministro da Defesa.

Se jamais coubera em si mesmo, Jobim não caberia num cargo só. Em um ano, acumulou sucessivamente as funções de general da selva na Amazônia, almirante e timoneiro de submarino nuclear na França e na Rússia, brigadeiro vitorioso no combate ao apagão e pacificador do Exército. É muita coisa.

Nem tanto, decidiu o espaçoso gaúcho: na quarta-feira passada, assumiu sem pedir licença a ninguém o posto de controlador-geral da imprensa brasileira. Faz tempo que o ministro ultrapolivalente anda aborrecido com a divulgação de informações que, ao pousarem nos jornais, colocam em risco a segurança nacional e a boa imagem do governo. Mas só agora descobriu que esses vazamentos antipatrióticos são produzidos pela ação conjunta de jornalistas, promotores públicos, juízes de Direito, sherloques da Polícia Federal e arapongas da Abin.

A solução é acabar com o sigilo da fonte, prescreveu Jobim. A notícia não ajuda a nação? Cobre-se de quem pecou a origem do pecado. Por enquanto, não parecem em perigo nem o segredo do confessionário nem o sigilo profissional – invocado pelo criminalista Jobim para esconder o que ouviu dos clientes bandidos. Ao menos na primeira etapa, só o sigilo da fonte está na mira do homem que guardava segredos por 15 anos.

Jobim pareceria mais convincente se, antes de qualquer outro, quebrasse o próprio sigilo. E contasse quais são os artigos que estupraram a Constituição.


A misteriosa história do grampo a favor

Foi o primeiro grampo da história que deixou os grampeados bem na foto, intrigou-se quem leu a transcrição do edificante diálogo por telefone entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres. Sem concessões à linguagem vulgar nem arranhões em regras protocolares, os pais da pátria examinam com gravidade o problema da pedofilia. Um candidato teria reproduzido a conversa no horário eleitoral gratuito. O presidente do STF passou ao largo do conteúdo para fixar-se na audácia da arapongagem. E não trata de outro assunto. Passadas quase três semanas, o grampeado inconsolável só pensa naquilo.

"O compartilhamento de informações entre a Abin e a Polícia Federal é um fato gravíssimo", seguiu em combate o ministro na quinta-feira. Em poucos dias, ele conseguiu tirar Daniel Dantas da cena do crime, afastar do caso o delegado da PF encarregado do caso, constranger o juiz, exonerar o chefe da Abin e aprovar o artigo 2º da Lei de Dantas, que virtualmente aposenta a escuta telefônica como arma investigatória. Mendes acha pouco: quer saber quem consumou o crime hediondo.

Por que o ministro não exige também a localização do áudio? Se ficou tão colérico com a leitura da conversa, por que não faz questão de ouvi-la?

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