sábado, 23 de fevereiro de 2008

Como manter Miami longe - por Gianni Carta

Tariq Ali, escritor, historiador e um dos editores da revista New Left Review, está acostumado a opinar sobre o destino de Cuba após Fidel Castro. O futuro de Havana lhe interessa profundamente, porque a Revolução de 1959, escreve o ativista político no mais recente livro Piratas do Caribe: O Eixo da Esperança (que será lançado no Brasil em maio pela editora Record), “foi a nossa revolução”. Na obra, Ali defende a tese de que o eixo composto por líderes latino-americanos com inclinações ideológicas de esquerda representa uma alternativa à hegemonia global dos Estados Unidos.

Trocando em miúdos: o autor crê que, mesmo sem Fidel, Cuba estará secundada por Hugo Chávez e sua revolução bolivariana, a qual inclui Evo Morales, entre outros. Segundo ele, o motivo é que prevalece na América Latina uma mentalidade, por parte de líderes políticos como Chávez, que transcende a nação e visa o continente. “Mas isso não é suficiente para salvar Cuba”, afirmou Ali a CartaCapital.

Certas reformas, alega, precisam ser implementadas. E indaga: como preservar alguns dos ganhos reais da Revolução Cubana, entre eles o serviço de saúde, o sistema de educação, a existência de um nível de igualdade econômica mais elevado do que em qualquer outro país da América Latina? “Cuba não deveria ser uma economia neoliberal”, opina. A transição russa, que resultou em uma economia caótica, deveria servir de lição para Havana, acrescenta.

Ali vê com horror a “miamização” de Cuba, que receberia de volta os “cubanos fascistas” residentes na Flórida e “ainda ativos”. Se Miami se mudasse para Cuba, pondera, “todo o trabalho realizado desde 1959 seria destruído”. O historiador acredita ser “impensável uma invasão de Cuba patrocinada pelos Estados Unidos, visto que haveria resistência”. E acrescenta, com ironia: “Creio que os americanos tentarão comprar a ilha, visto que têm dinheiro suficiente para dar para cada cubano 1 milhão de dólares’’.

Sim, mas como tornariam cada cubano milionário? “Eles não poderiam, claro, fazer isso diretamente. Precisariam, portanto, de uma ponte.”

Na Europa do Leste, afirma, essa ponte foi formada por ex-membros do Partido Comunista. Na Rússia, idem. E quem fará o mesmo em Cuba? Talvez facções do Partido Comunista Cubano, ou do Exército. “Essa é a grande questão”, considera.

Embora Ali veja aspectos positivos perpetrados por Fidel, ele está longe de ser acrítico em relação ao regime cubano. Ele lamenta o fato de Fidel ter centralizado debates em todas as áreas. Isso explicaria o fato de, agora, num momento de transição, o país estar em estado de confusão.

A falta de senso crítico por parte das massas não se deve somente à ausência de debate num país onde a mídia é censurada, mas também devido a “Brezhnevização” de Cuba, argumenta Ali. De fato, em Piratas ele escreve que os primeiros “desvios” de Havana foram “dormir com um gordo e feio burocrata chamado Brezhnev”, e ter defendido a invasão da Tchecoslováquia pelo Pacto de Varsóvia.

“Eles (cubanos) nunca se tornaram completamente acríticos como a vasta maioria dos habitantes do Leste Europeu”, esclarece Ali. “Mais da metade da população de Cuba não desenvolveu, porém, um espírito crítico.” Segundo o historiador, os livros escolares não são concebidos para encorajar os estudantes a pensar de forma crítica.

Ali condena a maneira como o poeta Herberto Padilla foi tratado pelo regime que nutria preconceito contra gays, à maneira soviética. Ao contrário de Gabriel García Márquez e Jean-Paul Sartre, estes entre os signatários de uma carta aberta em 1971, Ali fala de uma divisão entre os defensores da revolução: os que continuaram a apoiá-la, embora críticos, e aqueles já enveredando por novos caminhos, e para os quais o caso Padilla serviu de gota d’água.

Após ter feito críticas a Cuba para um grupo de intelectuais e escritores, em Havana, no fim de 2005, Ali pondera: “Agora somos velhos. Precisamos uns dos outros. É o amor no tempo do cólera”.

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